Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Eduardo Rodrigues da Cruz é professor titular do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP.
Há pouco tempo li uma coluna no jornal, intitulada “Com outro alguém…”, na qual uma psicanalista
e escritora comenta os sentimentos de pessoas que entram e saem de
relacionamentos afetivos. O texto começa relatando uma experiência, que se
resume a uma frase reveladora: “Ele diz que a ama, mas já está se relacionando
com outra mulher”. E cita outros exemplos para o sexo oposto. A primeira lição
que a autora tira é de que “Há quem invista todas as suas energias no
relacionamento amoroso. Homens e mulheres são vítimas dessa fixação que pode
ter efeitos negativos”. É uma interpretação possível e baseada em situações
concretas, mas onde isso nos leva?
Segundo a autora,
não devemos criar uma “dependência emocional forte do outro”, pois poderemos
desabar quando “fracassa o projeto amoroso”. Assim não podemos pensar o
casamento como uma “união para vida toda”, e sim como temporário, “enquanto for
satisfatório para ambos”. Ou seja, a
partir da constatação que há muitos casos traumáticos de separação, o melhor
seria repensar o casamento, entendendo-o agora como passageiro e utilitário.
Há muito se veem
casos onde casais se separam de modo mais ou menos traumático, mas, pelo menos
na consciência da maioria de nós, ainda persiste o ideal de um relacionamento que
dure, o “amor para sempre”. Todavia, agora, alguns teorizam que isso não
deveria ser um ideal. Três observações se fazem necessárias para sair do
círculo vicioso de tal raciocínio.
Em primeiro lugar, o
entendimento do “projeto amoroso” como algo que surge e se esvai, como em
muitas novelas. Que visão pobre do amor, que se reduz à paixão e ao tesão! Ao
contrário, amor como philia ou ágape é algo que se constrói, no meio de
sacrifícios e abnegação, não para quem ama se tornar apenas um satélite do
outro, mas sim para fazer crescer o espaço de liberdade onde o casal possa
habitar. Amor é como boa performance esportiva: precisa ser cultivado com
tempo, persistência e sacrifício, e o resultado só aparece em longo prazo. Não
se trata de estar “gostando ou não”.
Em segundo lugar, o
projeto utilitário: o casamento passa a ser um contrato entre duas entidades jurídicas,
que se mantém juntas até que não seja mais “conveniente para ambos”. O
indivíduo concorda em ficar com o outro porque usufrui algo da relação. No
momento em que encontrar uma situação de maior fruição (por exemplo, uma mulher
mais jovem), um “sócio” simplesmente abandona o outro. Espera-se que esse outro
também dê pouco valor ao vínculo, assim não ficará muito transtornado com a
traição.
Por fim, e mais
importante, há uma estranha ausência no texto de um elemento terceiro na
relação conjugal: os filhos. Sim, crianças não veem o pai e a mãe de uma forma
contratual: julgam que o afeto é para sempre, de preferência com o casal junto.
Alguns são cínicos e dizem que é melhor não ter filhos, pois assim é mais fácil
se separar. Ironia, os grupos sociais que pensam assim cometem suicídio, pois a
taxa atual de fecundidade é muito baixa, ficando longe do valor de reposição
societal. Sim, a sociedade precisa de novas gerações, novos seres que requerem
um longo (décadas!) período de cuidados diretos, e cuidados indiretos para o
resto da vida. A biologia evolutiva explica: melhor é quando aqueles que
contribuíram com os genes se engajem nessa tarefa.
Infelizmente, as
Igrejas cristãs parecem ser alguns dos últimos bastiões da defesa desse
realismo quanto às relações humanas.
Jornal "O São Paulo", edição 3113, 3 a 9 de agosto
de 2016.
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