sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Jogando a toalha, ou o abandono do amor conjugal

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Eduardo Rodrigues da Cruz é professor titular do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP. 

Há pouco tempo li uma coluna no jornal, intitulada “Com outro alguém…”, na qual uma psicanalista e escritora comenta os sentimentos de pessoas que entram e saem de relacionamentos afetivos. O texto começa relatando uma experiência, que se resume a uma frase reveladora: “Ele diz que a ama, mas já está se relacionando com outra mulher”. E cita outros exemplos para o sexo oposto. A primeira lição que a autora tira é de que “Há quem invista todas as suas energias no relacionamento amoroso. Homens e mulheres são vítimas dessa fixação que pode ter efeitos negativos”. É uma interpretação possível e baseada em situações concretas, mas onde isso nos leva?
Segundo a autora, não devemos criar uma “dependência emocional forte do outro”, pois poderemos desabar quando “fracassa o projeto amoroso”. Assim não podemos pensar o casamento como uma “união para vida toda”, e sim como temporário, “enquanto for satisfatório para ambos”.  Ou seja, a partir da constatação que há muitos casos traumáticos de separação, o melhor seria repensar o casamento, entendendo-o agora como passageiro e utilitário.
Há muito se veem casos onde casais se separam de modo mais ou menos traumático, mas, pelo menos na consciência da maioria de nós, ainda persiste o ideal de um relacionamento que dure, o “amor para sempre”. Todavia, agora, alguns teorizam que isso não deveria ser um ideal. Três observações se fazem necessárias para sair do círculo vicioso de tal raciocínio.
Em primeiro lugar, o entendimento do “projeto amoroso” como algo que surge e se esvai, como em muitas novelas. Que visão pobre do amor, que se reduz à paixão e ao tesão! Ao contrário, amor como philia ou ágape é algo que se constrói, no meio de sacrifícios e abnegação, não para quem ama se tornar apenas um satélite do outro, mas sim para fazer crescer o espaço de liberdade onde o casal possa habitar. Amor é como boa performance esportiva: precisa ser cultivado com tempo, persistência e sacrifício, e o resultado só aparece em longo prazo. Não se trata de estar “gostando ou não”.
Em segundo lugar, o projeto utilitário: o casamento passa a ser um contrato entre duas entidades jurídicas, que se mantém juntas até que não seja mais “conveniente para ambos”. O indivíduo concorda em ficar com o outro porque usufrui algo da relação. No momento em que encontrar uma situação de maior fruição (por exemplo, uma mulher mais jovem), um “sócio” simplesmente abandona o outro. Espera-se que esse outro também dê pouco valor ao vínculo, assim não ficará muito transtornado com a traição.
Por fim, e mais importante, há uma estranha ausência no texto de um elemento terceiro na relação conjugal: os filhos. Sim, crianças não veem o pai e a mãe de uma forma contratual: julgam que o afeto é para sempre, de preferência com o casal junto. Alguns são cínicos e dizem que é melhor não ter filhos, pois assim é mais fácil se separar. Ironia, os grupos sociais que pensam assim cometem suicídio, pois a taxa atual de fecundidade é muito baixa, ficando longe do valor de reposição societal. Sim, a sociedade precisa de novas gerações, novos seres que requerem um longo (décadas!) período de cuidados diretos, e cuidados indiretos para o resto da vida. A biologia evolutiva explica: melhor é quando aqueles que contribuíram com os genes se engajem nessa tarefa.
Infelizmente, as Igrejas cristãs parecem ser alguns dos últimos bastiões da defesa desse realismo quanto às relações humanas.
Jornal "O São Paulo", edição 3113, 3 a 9 de agosto de 2016.

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