segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A alternância de poder é a melhor coisa para a democracia

Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Eleições mais modestas e com um terço dos gastos aproximaram os candidatos da população e os afastaram dos marqueteiros cujo trabalho é, essencialmente, construir uma “personalidade” fictícia que corresponda ao imaginário da população. Uma eleição menos midiática, com menos gastos, com mais encontros pessoais e visitas locais, só pode beneficiar a democracia ao diminuir as distâncias entre políticos e eleitores. Esta foi uma conquista que a população não pode deixar voltar atrás. Gastos exorbitantes (enquanto há tantos desempregados) não devem mais ocorrer porque eles mais prejudicam a democracia do que favorecem. O marketing político cria também artificialmente “salvadores da pátria” e deifica uma pessoa em detrimento de uma equipe (que mal aparece).
Em democracias mais amadurecidas, o controle do povo sobre os políticos é favorecido quando acontece alternância de poder. Houve no Brasil grande ganhos com a queda da ditadura, a constituição de 1988 e os benefícios sociais que permitiram a diminuição da pobreza, da subnutrição, do analfabetismo, e a universalização do ensino (embora ainda sem qualidade). Mas é evidente que estamos num período de inflexão onde a democracia brasileira parece estar querendo dar mais um passo de maturidade, pois cresce o número de pessoas que está se dando conta que a resposta não está em salvadores da pátria, entre “bons” e “maus”, mas em um sistema de governança novo que inclui trabalho em rede com a constituição cada vez mais sólida de entidades que representem a sociedade civil organizada.
Nas últimas décadas foram criadas leis e normas que favoreceram enormemente os políticos e sua permanência no poder. Há muitos políticos “profissionais” que estão no governo há décadas. A carreira política é a que oferece os maiores benefícios em termos de salário com os muitos acréscimos, aposentadoria após pouco tempo de exercício no cargo, foro privilegiado, carros e apartamentos de graça além de auxílio moradia, muitos assessores a seu serviço, etc., que não existem em muitos países desenvolvidos. Muitos políticos conseguem não só permanecer na política por muito tempo, mas até garantir a permanência da família por várias gerações, passando o bastão de pai para filho e até neto. Tudo isso distancia o político do compromisso com a população e a obrigação de servir ao bem comum, pois torna a política uma carreira própria em benefício de si mesmo e de sua família. Por isso a alternância de poder é altamente benéfica para o exercício da democracia e de mais controle social. Outro fator ainda é a descentralização do poder e do dinheiro. Hoje poucas pessoas tem o poder de decidir para onde vão grandes quantidades de recursos. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, é o Secretário (e seus interesses políticos) quem determina aonde irá o dinheiro. As subprefeituras, que são uma estrutura que permite uma visão mais local e podem reconhecer melhor as diferentes necessidades de cada região, estão esvaziadas.
Se para nós cristãos é claro que a política deve ser o serviço ao bem comum é muito importante que não caiamos na ilusão do político salvador da pátria, daquele que “me dá coisas” ou do político “profissional” que me representa. E a resposta está como ensina a Doutrina Social da Igreja na formação de uma sociedade organizada que trabalha em rede. Um exemplo disso é que mais pessoas que amem verdadeiramente Jesus Cristo se candidatem aos Conselhos Tutelares, às Associações com interesse social e de bairro, etc..
Jornal "O São Paulo", edição 3123, 12 a 18 de outubro de 2016.

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