terça-feira, 11 de outubro de 2016

As verdadeiras armas da paz

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

A agenda da Doutrina Social da Igreja girou inicialmente em torno do mundo do trabalho. Tratava-se de enfrentar a questão social que, no final do século dezenove, intentava colocar em claro confronto o capital e o trabalho.
Ocorre que os primeiros cinquenta anos do século XX foram palco de nada menos que dois conflitos mundiais. Essa grave patologia fez com que o Magistério da Igreja inscrevesse outro tópico na pauta da Doutrina Social.
Coube a São João XXIII qualificar esse tópico quando lançou a luminosa Encíclica Pacem in terris e, por intermédio dela, busca compreender que a paz depende do adequado relacionamento entre os Estados que tenha como base quatro conceitos fundamentais: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor.
A partir dessa peculiar perspectiva podem ser analisadas todas as guerras que percorreram a história.
A guerra tanto pode ser a fórmula de degradação que um Estado quer impor ao outro, como ocorreu com o fenômeno do colonialismo como, ainda, pela dominação ideológica, como se viu com a temática da guerra fria.
Os critérios da Pacem in terris exigem que, em primeiro lugar, os povos se relacionem – notemos bem, os povos, antes que os Estados – com verdade. Este bem – que o próprio Cristo atribuiu como característica de sua personalidade – impõe aos participes da comunidade humana que vejam os demais como sujeitos de direitos e de deveres, enfim, como pessoas.
A liberdade, como fio condutor do agir das pessoas e dos Estados, associa cada qual a um cabal compromisso com a responsabilidade. Sou livre porque sou responsável pelas ações que posso e devo praticar. E, enquanto tal, respondo pelos acertos, pelos erros e pelos excessos.
Não será alcançada a paz, no entanto, se o coração humano não se dispuser ao amor. Eis a boa notícia do Evangelho que João XXIII resume e compendia como atributo da vida social que deve “estar animado por um amor tal que sintam as necessidades dos outros como próprias, induzindo-as a compartir seus bens com os outros, e a esforçar-se no mundo para conseguir que todos os homens sejam iguais herdeiros dos mais nobres valores intelectuais e temporais”.
Quão distinto seria o liame entre povos desenvolvidos e os que estão em vias de desenvolvimento se o amor fosse a regra do jogo nos relacionamentos!
Mas, a paz depende, mais propriamente, da construção de uma sociedade mundial mais justa e humana.  A fisionomia atual, onde a brutal distinção entre os povos da fome e os povos da opulência (como assinalava a Gaudium et Spes), fomenta as guerras dentro de inúmeros países e, igualmente, entre dois ou mais países, como também notou o grande Pontífice, faz com que a questão social assuma uma dimensão mundial.
Perguntava São João XXIII e, até agora, ninguém lhe ofereceu resposta: “Esquecida a justiça, a que se reduzem os reinos senão a grandes latrocínios? ”
O Programa de Direitos Humanos da PUC-SP lançou, neste ano, pela Editora Lumen Juris, dois livros sobre este tema:  “Na verdade a paz” e “A paz é possível”. Dentro de um projeto abrangente, essas obras esmiúçam algumas das guerras que a história humana catalogou, intentando compreende-las à luz dos critérios estabelecidos pela Pacem in terris, e apresentam as Mensagens de Paz que, desde Paulo VI, tem sido incorporada à Doutrina Social da Igreja, como referenciais de interpretação dos conflitos que afligiram e afligem a humanidade em todos os tempos.
Jornal "O São Paulo", edição 3122, 5 a 11 de outubro de 2016.

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