Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
A agenda da
Doutrina Social da Igreja girou inicialmente em torno do mundo do trabalho.
Tratava-se de enfrentar a questão social que, no final do século dezenove,
intentava colocar em claro confronto o capital e o trabalho.
Ocorre que os
primeiros cinquenta anos do século XX foram palco de nada menos que dois
conflitos mundiais. Essa grave patologia fez com que o Magistério da Igreja
inscrevesse outro tópico na pauta da Doutrina Social.
Coube a São João
XXIII qualificar esse tópico quando lançou a luminosa Encíclica Pacem in terris
e, por intermédio dela, busca compreender que a paz depende do adequado
relacionamento entre os Estados que tenha como base quatro conceitos
fundamentais: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor.
A partir dessa
peculiar perspectiva podem ser analisadas todas as guerras que percorreram a
história.
A guerra tanto
pode ser a fórmula de degradação que um Estado quer impor ao outro, como
ocorreu com o fenômeno do colonialismo como, ainda, pela dominação ideológica,
como se viu com a temática da guerra fria.
Os critérios da
Pacem in terris exigem que, em primeiro lugar, os povos se relacionem – notemos
bem, os povos, antes que os Estados – com verdade. Este bem – que o próprio
Cristo atribuiu como característica de sua personalidade – impõe aos participes
da comunidade humana que vejam os demais como sujeitos de direitos e de
deveres, enfim, como pessoas.
A liberdade, como
fio condutor do agir das pessoas e dos Estados, associa cada qual a um cabal
compromisso com a responsabilidade. Sou livre porque sou responsável pelas
ações que posso e devo praticar. E, enquanto tal, respondo pelos acertos, pelos
erros e pelos excessos.
Não será alcançada
a paz, no entanto, se o coração humano não se dispuser ao amor. Eis a boa
notícia do Evangelho que João XXIII resume e compendia como atributo da vida
social que deve “estar animado por um amor tal que sintam as necessidades dos
outros como próprias, induzindo-as a compartir seus bens com os outros, e a esforçar-se
no mundo para conseguir que todos os homens sejam iguais herdeiros dos mais
nobres valores intelectuais e temporais”.
Quão distinto
seria o liame entre povos desenvolvidos e os que estão em vias de
desenvolvimento se o amor fosse a regra do jogo nos relacionamentos!
Mas, a paz depende,
mais propriamente, da construção de uma sociedade mundial mais justa e
humana. A fisionomia atual, onde a
brutal distinção entre os povos da fome e os povos da opulência (como
assinalava a Gaudium et Spes), fomenta as guerras dentro de inúmeros países e,
igualmente, entre dois ou mais países, como também notou o grande Pontífice,
faz com que a questão social assuma uma dimensão mundial.
Perguntava São João XXIII e, até agora, ninguém lhe ofereceu
resposta: “Esquecida a justiça, a que se reduzem os reinos senão a grandes latrocínios?
”
O Programa de Direitos Humanos da PUC-SP lançou, neste ano, pela
Editora Lumen Juris, dois livros sobre este tema: “Na verdade a paz” e “A paz é possível”. Dentro
de um projeto abrangente, essas obras esmiúçam algumas das guerras que a
história humana catalogou, intentando compreende-las à luz dos critérios estabelecidos
pela Pacem in terris, e apresentam as Mensagens de Paz que, desde Paulo VI, tem
sido incorporada à Doutrina Social da Igreja, como referenciais de interpretação
dos conflitos que afligiram e afligem a humanidade em todos os tempos.
Jornal "O São Paulo", edição 3122, 5 a 11 de
outubro de 2016.
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