terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pressuposto para superar a crise

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

O cientista político alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde avança um dilema das democracias: o Estado livre e democrático requer pressupostos que ele mesmo não tem condições de garantir. Pressupõe cidadãos e uma sociedade que cultivem valores livres e democráticos, mas não pode forçá-los a isso. O mesmo vale para atitudes éticas, plurais, inclusivas…
O momento que o Brasil atravessa hoje retrata esse dilema. Em tese, nossas instituições são sólidas e funcionam. Mas a atual crise não é apenas a conjunção de fatores políticos, econômicos e éticos desfavoráveis; é também o esgotamento de um modelo que não mais dá conta da sociedade do século XXI em toda a sua globalidade.
As instituições por si só não garantem “um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” – como reza o Preâmbulo da Constituição. Não garantem os direitos básicos dos cidadãos, nem as necessárias reformas – que se protraem há governos e legislaturas –, nem tampouco a inclusão das minorias e das diversidades na trama social, ou o desenvolvimento justo e sustentável…
Uma nação assim – pela qual gerações inteiras lutaram e muitos pagaram o preço da liberdade ou da vida – pressupõe o compromisso do conjunto dos atores políticos. Não é projeto a ser confiado a um único grupo político, ainda que legitimamente eleito. Contudo, há uma barreira – ao lado de outras – ao envolvimento de todos no desenho do “Brasil que queremos”. Nossa cultura ocidental moderna desenvolveu um modo de pensar dualista. Vemos o mundo em binômios antagônicos e excludentes (conservadorismo-progressismo, situação-oposição, direita-esquerda…; para alguns, até mesmo igualdade-liberdade). Isso impregna nosso presidencialismo de coalizão, a dinâmica do legislativo, os movimentos populares. E tudo é filtrado, talvez pela forte impregnação moralista que nos acomete, pelo binômio certo-errado. A visão divergente é considerada errada e, portanto, passível de rejeição e desprezo (não só a visão; também quem vê assim…). Há setores bem intencionados – cristãos inclusive – que assumiram como bandeira combater ideias que não compartilham, reconhecendo nelas uma conspiração de agentes do mal.
Chiara Lubich sugeria que na política se aplicasse um princípio que parafraseia o Mandamento Novo de Jesus: amar o partido do outro como o próprio. O que parece um aforismo ingênuo e inaplicável, na verdade, implica a atitude de levar a sério as várias linhas políticas (ou econômicas, ou filosóficas, ou sociais, ou religiosas), reconhecendo que todas se revestem de importância, são possuidoras de verdades e valores e têm algo a contribuir. Significa saber que o verdadeiro, o bom e o belo para uma sociedade se descobrem conjuntamente, mediante a humildade e a admissão das próprias insuficiências, a sincera capacidade de diálogo, a escuta desarmada, o reconhecimento de intentos comuns.
É o primeiro passo para a árdua e desafiadora operação de articular as forças plurais da sociedade na construção de um projeto de País segundo um princípio de fraternidade, com a perspectiva de dar formas concretas ao bem comum.
Jornal "O São Paulo", edição 3078, 18 a 24 de novembro de 2015.

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