Dalton Ramos - Professor Titular de
Bioética da USP. Membro Correspondente da Pontifícia Academia Pro Vita -
Vaticano).
Charlie Gard era um bebê inglês de 11 meses. Tinha uma
doença genética que provocava um tipo de atrofia muscular progressiva com
prognóstico de morte ainda no primeiro ano de vida. Dependia, para sobreviver,
de um suporte de ventilação mecânica, de alimentação e hidratação. Os médicos
do hospital queriam desligar os aparelhos alegando que não havia mais
tratamento possível. Os pais de Charlie, não concordando com os médicos,
mobilizaram-se para buscar todos os tratamentos possíveis, inclusive os
experimentais, ainda em fase de pesquisa. Mas uma Corte Inglesa, concordando
com os médicos do hospital, entendeu que devia-se desligar os aparelhos de
suporte de vida. Depois de grande repercussão na mídia internacional, de uma
batalha judicial e na contramão da vontade dos pais, os aparelhos foram
desligados e, em 28 de julho de 2017, Charlie morreu.
O Cardeal
Elio Sgreccia, Presidente Emérito da Pontifícia Academia para a Vida, publicou
um excelente artigo onde explica, em 10 pontos, os problemas e enganos que
ocorreram nesse triste episódio. Vejamos alguns desses pontos.
Sgreccia começa seu elenco de explicações lembrando que,
paradoxalmente, quem está em situação mais vulnerável, como era o caso de
Charlie, tem direito de uma atenção maior. É um princípio básico da ética do
cuidado, mas recordo que também orienta todas as políticas públicas que buscam
a equidade social no mundo de hoje. Além disso, o paciente incurável nunca
perde a sua dignidade humana.
Do ponto de vista social, Sgreccia continua sua reflexão, promoveu-se
uma cultura do descarte e uma lógica economicista. Mesmo que não se tenha dito
explicitamente, prevaleceu a ideia de que não se deve gastar com pessoas que
não representam uma força de trabalho para a sociedade. Assim, os doentes
incuráveis com grandes limitações e os idosos são pensados como “cidadãos de
segunda classe” que podem ser descartados pela sociedade.
Posteriormente à morte de Charlie, que ocorreu em uma
clínica longe dos pais, Sgreccia comenta, em outra publicação, que aos pais foi
impedido um direito que é parte do seu "ser pais", que é ver a
criança morrer em seus braços, e vê-lo morrer naturalmente. Morrer é parte da
vida, não é um nada; é um momento importante da existência.
Numa carta
comentando o caso do pequeno Charlie, D. Prosperi e F. Corsi escreveram que
“Para não sofrer seria necessário não amar”. Ser capaz de um olhar amoroso que oriente as
decisões técnicas e os dilemas éticos é o núcleo de toda a questão e o ponto de
partida para identificar o caminho a ser seguido nessas situações. Isso permite
reconhecer e respeitar a dignidade da pessoa e se comprometer com seu bem
integral.
Testemunhei recentemente a experiência de uma gestante que
recebeu o diagnóstico de um gravíssimo comprometimento da vida do feto, com
prognóstico de morte do nascituro logo após o parto. Ela teve amigos que a
ajudaram a viver esse momento e encontrar uma equipe hospitalar disposta a acolhê-la
e ampará-la, levando a termo a gravidez, mesmo existindo a previsão legal para
a realização de aborto. Assim, pode ter em seus braços seu filho pelos 40 minutos
que este viveu, do parto até sua morte. Nos testemunhou que estes minutos foram
“os mais bonitos de sua vida”.
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