quarta-feira, 14 de junho de 2017

O todo, a parte e as reformas


O Papa Francisco oferece à doutrina social da Igreja, na Evangelii Gaudium (EG 221ss), quatro “princípios” inovadores (que alguns preferiram chamar de “postulados”): (1) “o tempo é superior ao espaço”; (2) “a unidade prevalece sobre o conflito”; (3) “a realidade é mais importante do que a ideia”; (4) “o todo é superior à parte”.
Esse quarto princípio (“o todo é superior à parte”, EG 234-237) nos remete à necessidade de “articular o todo com a parte”. Para quem está preocupado com as questões gerais que afligem a sociedade, significa retomar a visão do pequeno, do local, do caso específico. Para quem está preocupado com o seu problema particular, significa olhar para o conjunto, se desvencilhar de um olhar talvez excessivamente autocentrado para pensar no bem de todos. Será que o governo, os partidos de oposição, os grupos pró e contra as reformas que estão sendo propostas, como a trabalhista e a da Previdência, estão olhando realmente o todo da sociedade brasileira e todos os fatores em jogo nas reformas ou estão preocupados apenas com seus interesses partidários ou corporativos?
Esse princípio também nos remete à ideia do bem comum e, como tal, não pode ser corretamente entendido, à luz da doutrina social da Igreja, desvinculado da percepção de que são os mais pobres, os mais fragilizados na sociedade que nos mostram o quanto o bem comum está sendo contemplado (EG 197-208). Até que ponto aqueles que estão justamente preocupados com o futuro do País, com as bases econômicas necessárias para a sustentação do bem comum, têm considerado os casos específicos e a situação dos mais fragilizados na estrutura social? E até que ponto os que defendem os direitos dos mais pobres estão considerando que existem problemas globais, contextos mais amplos que devem ser enfrentados – ainda que com sacrifícios – para garantir os próprios direitos desses mais pobres?
Respostas esquemáticas com certeza não atenderão a esse princípio. O todo é mais amplo e precisa ser considerado para se garantir o bem comum. Na prática: reformas sempre são necessárias tendo em vista a garantia do bem comum. Mas elas têm que ser pensadas considerando tanto a situação dos mais pobres quanto a globalidade do contexto sociopolítico e econômico.
Esse quarto princípio nos convida a superar nossos partidarismos e corporativismos, a olhar para a situação atual e futura dos mais fragilizados e pensar os problemas numa perspectiva global, que não exclui nem os aspectos econômicos nem os sociais. Um grande desafio, mas também a possibilidade de pensar as reformas necessárias para a País de um modo muito mais sábio, humano e solidário.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal "O São Paulo", edição 3154, 7 a 13 de junho de 2017.

Um comentário:

  1. Se nossos congressistas tivessem essa sensibilidade, o Brasil poderia ser bem diferente, mas eles não estão preocupados com os mais fragilizados, eles se preocupam apenas com o próprio bem-estar

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