terça-feira, 31 de março de 2015

A culpa não é só dos outros

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo, 
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Já faz quase um ano que um clima de ressentimento se instaurou no Brasil. A campanha eleitoral acirrou os ânimos e criou um clima de “nós contra eles”. Ainda não havíamos processado adequadamente nossas divergências quando as manifestações de março fizeram o clima de divisão e ressentimento voltar fortalecido.
Após as eleições, os eleitores de Aécio culpavam os que votaram em Dilma por lançaram o Brasil em mais 4 anos de desgoverno político e econômico. Acusavam os “dilmistas” de falta de consciência política, de se deixarem enganar por políticas assistencialistas, sem ver as inevitáveis consequências de uma crise econômica, que se abateria inclusive sobre os programas sociais.
Agora, os defensores de Dilma atacam os manifestantes contrários a ela. Eles são culpados por uma eventual desestabilização do governo, por defenderem “o golpe” do impeachment e por quererem a volta da ditadura militar. São acusados de serem de classe média e não estarem atentos às dificuldades das classes populares e dos mais pobres, de não quererem ver o quanto as políticas sociais amparadas por governos petistas fizerem bem aos mais pobres.
Um observador externo, alheio ás polarizações, verá facilmente que existe uma boa dose de verdade e um tanto de exagero nas duas posições. Em ambos os casos encontramos a mesma dificuldade de sair de nosso lugar social e ideológico para procurar entender as razões do outro. Mas o diálogo e as alternativas consensuais dependem justamente desta capacidade de olhar o mundo procurando entender a ótica do outro – mesmo que nunca possamos estar exatamente no lugar em que ele está.
Por que isto é tão difícil, num momento em que a sociedade precisa tanto de alternativas e unidade na luta pela superação dos problemas? Um teórico liberal dirá que nossa tendência é sempre a de buscar atender a nossos interesses privados e a convivência social se faz justamente a partir de um contrato que acomode todos os interesses, inclusive os conflitantes. Um marxista dirá que o problema é o lugar social que cada um ocupa, que faz com que olhemos o mundo a partir de nossos interesses de classe.
Novamente teremos que reconhecer que existe boa dose de verdade nas duas posições. Mas liberais e marxistas têm de reconhecer que alguns são capazes de superar seus interesses particulares e sua posição social, criando um real encontro entre diferentes, uma nova posição na sociedade.
O cristianismo chama “conversão” a esta mudança de posição, a este dedicar-se a um outro de uma forma que supera interesses particulares e posições de classe. Nunca é completa e perfeita, porque não somos completos e perfeitos, mas pode ser real e incidente. Para que um líder possa subir num carro de som e direcionar milhares para uma busca real ao bem comum, para uma luta que supere os particularismos, é necessário que milhões tenham vivido e educado seus filhos segundo esta lógica.
Os cristãos não detêm o privilégio desta conversão. Outros podem chegar a ela por outros caminhos. Mas a adesão a Cristo será falha se não tiver esta capacidade de abertura ao outro e de percepção da própria responsabilidade social.
Num contexto como o atual, a culpa não é só dos outros. Nós também temos uma parcela dela. Talvez muito pequena, quase ínfima, talvez muito grande. O ressentimento e a justificação das próprias posições não mostrarão caminhos. Estes são tempos de descobrir as razões do outro, não de absolutizar as nossas.
Jornal “O São Paulo”, edição 3044, de 25 a 31 de março de 2015.

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