Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Já faz quase um ano que um clima de ressentimento se instaurou no Brasil. A campanha eleitoral acirrou os ânimos e criou um clima de “nós contra eles”. Ainda não havíamos processado adequadamente nossas divergências quando as manifestações de março fizeram o clima de divisão e ressentimento voltar fortalecido.
Após as eleições, os eleitores de Aécio culpavam os que
votaram em Dilma por lançaram o Brasil em mais 4 anos de desgoverno político e
econômico. Acusavam os “dilmistas” de falta de consciência política, de se
deixarem enganar por políticas assistencialistas, sem ver as inevitáveis consequências
de uma crise econômica, que se abateria inclusive sobre os programas sociais.
Agora, os defensores de Dilma atacam os manifestantes
contrários a ela. Eles são culpados por uma eventual desestabilização do
governo, por defenderem “o golpe” do impeachment e por quererem a volta da
ditadura militar. São acusados de serem de classe média e não estarem atentos
às dificuldades das classes populares e dos mais pobres, de não quererem ver o
quanto as políticas sociais amparadas por governos petistas fizerem bem aos
mais pobres.
Um observador externo, alheio ás polarizações, verá
facilmente que existe uma boa dose de verdade e um tanto de exagero nas duas
posições. Em ambos os casos encontramos a mesma dificuldade de sair de nosso
lugar social e ideológico para procurar entender as razões do outro. Mas o
diálogo e as alternativas consensuais dependem justamente desta capacidade de
olhar o mundo procurando entender a ótica do outro – mesmo que nunca possamos estar
exatamente no lugar em que ele está.
Por que isto é tão difícil, num momento em que a sociedade
precisa tanto de alternativas e unidade na luta pela superação dos problemas? Um
teórico liberal dirá que nossa tendência é sempre a de buscar atender a nossos
interesses privados e a convivência social se faz justamente a partir de um
contrato que acomode todos os interesses, inclusive os conflitantes. Um
marxista dirá que o problema é o lugar social que cada um ocupa, que faz com
que olhemos o mundo a partir de nossos interesses de classe.
Novamente teremos que reconhecer que existe boa dose de
verdade nas duas posições. Mas liberais e marxistas têm de reconhecer que
alguns são capazes de superar seus interesses particulares e sua posição
social, criando um real encontro entre diferentes, uma nova posição na
sociedade.
O cristianismo chama “conversão” a esta mudança de posição,
a este dedicar-se a um outro de uma forma que supera interesses particulares e
posições de classe. Nunca é completa e perfeita, porque não somos completos e
perfeitos, mas pode ser real e incidente. Para que um líder possa subir num
carro de som e direcionar milhares para uma busca real ao bem comum, para uma
luta que supere os particularismos, é necessário que milhões tenham vivido e educado
seus filhos segundo esta lógica.
Os cristãos não detêm o privilégio desta conversão. Outros
podem chegar a ela por outros caminhos. Mas a adesão a Cristo será falha se não
tiver esta capacidade de abertura ao outro e de percepção da própria
responsabilidade social.
Num contexto como o atual, a culpa não é só dos outros. Nós
também temos uma parcela dela. Talvez muito pequena, quase ínfima, talvez muito
grande. O ressentimento e a justificação das próprias posições não mostrarão
caminhos. Estes são tempos de descobrir as razões do outro, não de absolutizar
as nossas.
Jornal “O São Paulo”, edição 3044, de 25 a 31 de março de
2015.
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