Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya, professora da UNIFESP, coordenadora do Grupo de Estudos em Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da USP e conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
A confusão presente tanto no debate entre os candidatos
quanto nas discussões que a sociedade brasileira travou em torno deles, nas
rodas de amigos, nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, demonstrou
frequentemente o predomínio de posições instintivas, rígidas e tendenciosas. A
intransigência e o fechamento intelectual e humano observados nestas semanas têm
também uma nuança de indiferença e de hostilidade, onde o vale-tudo para
afirmar a própria opinião e o próprio poder, a desqualificação do outro, a
difamação se tornam instrumentos ‘normais’.
Parece que diante da política a razão não tem voz e o que domina é a
emoção.
L. Giussani assinalava, em O senso religioso, que a redução positivista da razão a subtrai dos
interesses mais propriamente humanos, como a política. H. Arendt, em As origens do totalitarismo, mostra que esta
redução começou quando a razão se separou da experiência, dispensando a
verificação da realidade e se colocando como o sujeito da construção do mundo. Para ela, o “pensamento ideológico destrói
toda a relação com a realidade”, não se deixa questionar pela experiência nem
aprende com a realidade.
Não interessa mais discutir os fatos mas apenas performances
de imagens midiáticas construídas por marqueteiros. No Facebook, charges e
piadinhas substituem a discussão política dos fatos inerentes à gestão de poder
e as possibilidades para o futuro. Perde-se
assim a relação com a verdade fatual. Mas “a verdade fatual relaciona-se sempre
com outras pessoas: ela diz respeito a eventos e circunstâncias nas quais
muitos são envolvidos; é estabelecida por testemunhas e depende da comprovação
(...) É política por natureza”, considerava H. Arendt, em Entre o passado e o futuro.
Uma atitude política realista e racional, no sentido exposto
acima, demanda um caminho educativo cotidiano, onde a razão encontra os desejos
mais verdadeiros que existem no coração da pessoa. L. Giussani, em O eu, poder e as obras, considera que “a
política, enquanto forma completa de cultura, só pode ter como preocupação
fundamental o homem” e que “só existe possibilidade de se construir sobre o
desejo presente (...). O desejo, como energia de construção, jamais se cansa e
(...) por sua natureza escancara os homens diante da realidade”.
Mas perdemos a consciência deste desejo de realização integral
que existe em nosso coração, substituindo-o por vontades e imagens
fragmentadas, manipuladas pelas mídias, que nos fecham no individualismo, no
utilitarismo e no imediatismo. Temos dificuldade em perceber que o nosso desejo
não pode se realizar sem a construção do bem comum, sem o encontro com o outro,
em perceber que o prazer fugaz vindo do poder ou da satisfação da
instintividade não constrói nossa felicidade.
Sem esta percepção do desejo e do uso da razão torna-se
impossível superar a politicagem e realizar a verdadeira política, que é
construção do bem comum. Neste contexto, a comunidade cristã tem a tarefa de lembrar-nos
de nosso desejo e nosso limite diante do ideal, lembrar que a construção
coletiva que nasce deste desejo de bem é diferente de um projeto político
construído sobre uma concepção ideológica do mundo e dos homens. “A análise e a
construção dependem da intensidade realista do desejo”, lembrava L. Giussani. A
partir deste desejo profundo do coração, a política pode abraçar a realidade e
criar espaços onde o debate se orienta para o encontro e o bem comum.
Jornal “O São Paulo”, edição 3026, de 6 a 11 de novembro de
2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário