Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
A desnutrição acabou no Brasil? Embora muitos digam que sim, não é verdade. Onde está a maioria das crianças desnutridas? Nas favelas e nas periferias dos centros urbanos. Qual é o tipo de desnutrição mais frequente em nosso país? A baixa estatura que ocorre quando a criança não cresce adequadamente devido à má alimentação, em quantidade e qualidade associada às infecções frequentes devido às más condições de saneamento básico.
Há mais de dois milhões de moradores em favelas no município
de São Paulo e naquelas em que as condições de saneamento básico são precárias
a proporção de crianças desnutridas pode chegar a 10% ou mais. Mas é difícil
diagnosticá-las, pois seu acesso aos serviços de saúde básica é precário e
intermitente.
Em geral, moram em áreas mais isoladas e tem uma condição
familiar difícil que por isso, prejudica seu crescimento adequado, quer por
falta de informação da mãe, quer por falta de condições de buscar recursos
adequados para a família, ou ainda por dificuldade da mãe de cuidar de seus
filhos pela sua vida atribulada. É comum entre essas famílias que poucas
recebam o beneficio do Programa Bolsa Família, pois têm dificuldade de buscar
esse recurso. Fazem a experiência da solidão e da impotência e muitas tem
problemas com a justiça e um membro em conflito com a lei.
Esse é o quadro das famílias que recebem tratamento para
seus filhos desnutridos no Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN)
que possui duas unidades em São Paulo e uma em Maceió. Estes centros tratam de
milhares de crianças anualmente, direta e indiretamente através dos serviços de
saúde e educação. Fazem “busca ativa” dessas crianças nas comunidades e não
esperam que elas cheguem sozinhas ou por conta própria nos postos de saúde ou
hospitais. Essa experiência tem repassado sua metodologia a iniciativas
semelhantes aos países da América Latina e Caribe assim como a alguns países
africanos.
É inegável a melhoria das condições de vida de muitos pobres
brasileiros desde 1970 quando a desnutrição começou a ser sistematicamente
avaliada. Vários são os programas que ajudaram, como por exemplo, a
aposentadoria rural e mais recentemente o Bolsa Família. Atribui-se também um
grande impacto à melhoria das condições de moradia e a ampliação do acesso aos
serviços de saúde para a queda na desnutrição, mais até do que os programas
mais recentes de transferência de renda.
Embora morram menos crianças com desnutrição, outros
problemas têm aumentado e fazem com que a desnutrição não possa ser considerada
erradicada no Brasil, como a fragilidade da estrutura familiar, as famílias
monoparentais, a violência e drogadição. E as crianças são as principais
vítimas dessa nova situação.
ão basta a distribuição de bens materiais, alimentos ou
dinheiro para a solução desse problema que é o mais infame de todos e o mais
injusto: não dar a uma criança a condição de sobreviver adequadamente. Tão
pouco é suficiente! É preciso ir ao encontro dessas mães, crianças e famílias e
oferecer-lhes um suporte humano em todos os aspectos. No CREN chamamos esse
método de intervenção de método da condivisão. É necessário um “fazer com” e
não apenas um “fazer para” ajudando as pessoas a desenvolverem a autonomia e a responsabilidade
para com a própria vida.
rnal “O São Paulo”, edição 3040, de 25 de fevereiro a 3 de
março de 2015.
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