quarta-feira, 8 de abril de 2015

A Paixão de Jesus

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Catão, se doutorou há 50 anos na Universidade de Estrasburgo (França) com a tese "A doutrina de Tomás de Aquino sobre a redenção e a salvação" (Paris: Aubier, 1965), é conselheiro do Núcleo Fé e Cultura 
da PUC-SP.

Há várias formas de abordar o mistério da Cruz e da Ressurreição. O importante é nunca separar esses dois aspectos, sob pena de violar a tradição da fé.
Como, porém, pensar, num só mistério, a Cruz e a Ressurreição?
A Teologia, desde os tempos apostólicos, enfrenta esse desafio. Guiados pela Revelação, os autores cristãos recorreram às Escrituras hebraicas, procurando encontrar as expressões mais adequadas para lançar alguma luz sobre a afirmação básica da fé, o querigma:
Jesus, com quem os apóstolos haviam convivido, passou pela humilhação da Cruz no cumprimento da vontade do Pai, mas está vivo, como homem e nos envia o seu Espírito, que, acolhido na fé, nos capacita a testemunhar da salvação, oferecida a todos.
Um momento crucial na compreensão do mistério ocorreu nos inícios da escolástica, ou seja, da aventura de exprimir a fé em categorias lógicas, para iluminar o mistério de Deus.
Explicava-se a Cruz, pela condição pecadora da humanidade: havia sido o meio escolhido por Deus para que Jesus, segundo Adão na expressão de Paulo, pagasse pelo pecado de toda a humanidade e nos resgatasse da escravidão do pecado, pelo oferecimento de si mesmo, cordeiro sem mancha, num sacrifício perfeito, para a purificação do pecado.
Essa teologia ganhou grande prestígio desde o século XII e ainda hoje subjaz a muitos ambientes cristãos, como se vê em numerosas celebrações da Semana Santa.
Como nos ensina a história, porém, já no século XIII, Tomás de Aquino, no fim de sua vida, mostrou que satisfação, resgate e sacrifício são formas humanas de fundo jurídico, usadas para exprimir a relação pessoal de Jesus com o Pai e conosco, que é de ordem estritamente pessoal, de fé, esperança e amor.
Deve-se, portanto, atribuir o gesto salvador de Jesus ao amor de Deus para conosco e ao amor do homem Jesus para com  todos os homens e mulheres, seus irmãos, unindo dessa forma, Cruz e Ressurreição, como duas expressões intimamente conexas da misericórdia de Deus, que encontra eco no coração de Jesus.
Ainda hoje, a teologia, por razões, até certo ponto explicáveis, se apega à compreensão medieval do gesto redentor de Jesus, pois na Igreja, muitas pessoas, inclusive clérigos, ainda a entendem como uma estrutura de caráter jurídico e acabam projetando em Jesus, sua limitada compreensão de Igreja.
Felizmente, a partir do Vaticano II, cresce a compreensão de que a Igreja, na história, se reveste naturalmente de uma estrutura jurídica, mas, é de fato, em profundidade, antes de tudo, um povo sustentado pela misericórdia de Deus e por seu amor para conosco, que nos reconhecemos pobres pecadores.
O Espírito, com que Jesus deu a sua vida por nós, resultou da plenitude da misericórdia divina, vivida em seu coração humano. O Amor de Deus por nós, vivido por Jesus, permite-nos compreender que Cruz e Ressureição são manifestações de um  mesmo mistério de Amor e de Misericórdia.
Místicos, como santa Teresa de Jesus, cujo quingentésimo centenário do nascimento celebramos, e como o papa Francisco, como o tem demonstrado, inclusive pela proclamação de um ano da Misericórdia, nos servem de guias no resgate da compreensão da Igreja como o Povo de Deus, nascido do Amor e da Misericórdia, no Espírito de Jesus.
E, é nesse Espírito que nos preparamos para celebrar a Páscoa.
Jornal “O São Paulo”, edição 3045, de 01 a 07  de abril de 2015.


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