Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
Reli recentemente Memorie
d’un cristiano ingênuo (“Memórias de um cristão ingênuo”), autobiografia do
jornalista, escritor e político italiano Igino Giordani (1894-1980), cujo
processo de beatificação está em andamento na Santa Sé. Nascido numa família
profundamente religiosa, Giordani logo percebeu a distância entre as práticas
políticas e sociais de seu entorno e o ensinamento do Evangelho. Obrigado a combater
na Primeira Guerra Mundial, “não entendia como fosse possível gerar para a vida
um jovem, obrigado a se desgastar no estudo e nos sacrifícios, a fim de
maturá-lo para uma ação em que deveria matar pessoas desconhecidas e inocentes e,
por sua vez, ser morto por gente a quem não havia feito nenhum mal”. Ferido,
saiu do campo de batalha para entrar na batalha da educação, do jornalismo e da
política. Tornou-se um apaixonado estudioso dos Padres da Igreja. Inspirado por
seu ensinamento, enfrentou uma corrente muito forte de setores católicos de
então contrários à república e à democracia, defendendo até uma aliança com o
fascismo. Crítico do regime, teve de ser “abrigado” por mons. Montini, futuro
Paulo VI, na Biblioteca Vaticana, onde atuou como bibliotecário. Com o fim da
Segunda Guerra, voltou à atividade política. Estava convencido de que “era
obrigação dos leigos sobretudo traduzir em leis, instituições e costumes, no
campo político, cultural e econômico, os princípios do Evangelho”. Embora
tivesse restrições à criação de um partido católico, pelo risco de o
catolicismo (“universalismo”) ser reduzido a uma parte, um partido. Todavia,
convencido por Montini, ingressou no Partido Democrata Cristão, pelo qual se
candidatou a deputado constituinte da Itália pós-guerra, sendo reeleito para a
legislatura seguinte. Foi um dos autores da lei de objeção de consciência ao
serviço militar. Suas posições pacifistas – em tempos de escalada armamentista
da Guerra Fria – e a capacidade de diálogo com todas as correntes políticas,
inclusive os comunistas, nem sempre encontrou compreensão na sociedade. De
fato, não foi mais reeleito.
Giordani sofria pela situação do leigo de então, o
“proletariado da Igreja”, a quem só cabia “ficar em pé, sentado ou de joelhos…”
Anos depois, o Concílio Vaticano II afirmaria a importância do laicato e de seu
protagonismo. De modo especial, não encontrava um caminho adequado de
santidade, a qual lhe parecia reservada somente aos que viviam nos mosteiros e
conventos. Em 1948, conheceu Chiara Lubich, a fundadora do Movimento dos
Focolares. Em sua espiritualidade, encontrou o “ingresso à santidade” que tanto
procurava, tornando-se um estreito colaborador de Chiara, que o considerava um
cofundador do Movimento. Foi um artífice da abertura dos Focolares às questões
da humanidade, com desdobramentos nos campos da política, da economia, da educação
etc.
Giordani também deu uma notável contribuição ao do
ecumenismo. De “martelo dos hereges” tornou-se o “mantello (manto) de irmãos”, admitia.
Nos difíceis momentos pelos quais o Brasil hoje passa,
pessoas como Igino Giordani são de inspiração para a qualidade da presença e da
atuação dos cristãos leigos no campo sociopolítico. Em última análise, a
profunda crise pela qual passamos, multidimensional, é um apelo a que assumamos
com maior responsabilidade o compromisso de traduzir em novas práticas, leis e
instituições o tesouro de ensinamento do Evangelho, aprofundado pelos Padres da
Igreja e pelo Ensino Social Cristão. Talvez seja essa a maior dádiva que
possamos oferecer à nossa sociedade hoje, que, mesmo sem o saber, por ela
espera ansiosamente.
Jornal "O São Paulo", edição 3154, 7 a 13 de junho
de 2017.
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