Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Marco Montrasi é economista e responsável de
Comunhão e Libertação no Brasil.
Cada circunstância, cada acontecimento é sempre um novo
desafio se estamos minimamente abertos e disponíveis a nos deixar provocar sem
medo pela realidade. Por isso, também essas eleições podem ser uma grande
ocasião. Por que uma ocasião? Porque nascem inevitavelmente perguntas que nos
recolocam em movimento: qual é a minha contribuição neste momento de tão grande
confusão? É possível recomeçar? Em que deposito a minha esperança? Tenho ainda
esperança ou o meu alívio é um simples “amanhã vai melhorar”? Qual é a minha
responsabilidade?
A primeira responsabilidade que temos é a de nos educarmos
para descobrir o que é o nosso “eu”. A origem dos valores (da vida, da pessoa, do
bem comum...) está na descoberta daquilo que eu sou, do desejo de infinito que constitui
o meu coração. Esse processo, que não é óbvio, é como juntar os cacos de um
homem despedaçado que assim pode começar a dar valor às coisas: a uma garrafa,
a um livro, até chegar à forma de tratar o dinheiro e a coisa pública. Esta é a
crise profunda da qual estamos vendo as consequências: perdemos o valor das
coisas porque perdemos a consciência do nosso “eu”.
“Nada é tão
fascinante quanto a descoberta das reais dimensões do próprio eu, nada é tão rico de surpresas quanto
a descoberta do próprio rosto humano. É uma aventura apaixonante. Mas, para
lançar-se nessa aventura e vencer aquela estranheza em relação a nós mesmos, é
preciso alguém com quem olhar o humano que há em nós, alguém que não se assuste
diante dele” (J. Carron, A beleza
desarmada. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2016, p. 136).
O Papa Francisco é
testemunha viva desse olhar. Vê-se a sua esperança e como ela gera uma presença
que não deixa ninguém indiferente. Um “eu” vivo que não se lamenta diante das
dificuldades do mundo, mas se move servindo o homem. Por que ele é assim?
Estamos num momento crucial em que cada um de nós pode
deixar-se levar pelo pessimismo e pela acusação a um mundo corrupto e sem
esperança, ou pode começar a desejar aprender esse processo de construção lenta
e árdua, mas real, possível, que desenvolve uma cultura nova. Com humildade precisamos
aprender a aprender - como dizia Zygmunt Bauman, o mais importante
estudioso da sociedade pós-moderna: “Ensinar a aprender. O oposto das conversas
comuns que dividem as pessoas: umas certas, outras erradas. Entrar em diálogo
significa superar o limiar do espelho, ensinar a aprender a se enriquecer com a
diversidade do outro. Ao contrário dos seminários acadêmicos, dos debates
públicos ou das discussões partidárias, no diálogo não há perdedores, mas
apenas vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo em
que se envelhece e se morre antes de crescer. É a verdadeira revolução cultural
em relação àquilo que estamos acostumados a fazer e é o que permite repensar a
nossa época. A aquisição dessa cultura não permite receitas ou escapatórias
fáceis, ela exige e passa pela educação que requer investimentos de longo
prazo. Nós devemos nos concentrar nos objetivos de longo prazo. E esse é o
pensamento do Papa Francisco. O diálogo não é um café instantâneo, não dá
efeitos imediatos, porque é a paciência, a perseverança, a profundidade. Ao
caminho que ele indica, eu acrescentaria uma única palavra: assim seja, amém” (Entrevista
a Stefania Falasca, publicado no jornal italiano Avvenire, em 20/09/2016).
Jornal "O São Paulo", edição 3124, 19 a 25 de
outubro de 2016.
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