terça-feira, 1 de novembro de 2016

Eleições e política: de onde recomeçar?


Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Marco Montrasi é economista e responsável de
Comunhão e Libertação no Brasil.

Cada circunstância, cada acontecimento é sempre um novo desafio se estamos minimamente abertos e disponíveis a nos deixar provocar sem medo pela realidade. Por isso, também essas eleições podem ser uma grande ocasião. Por que uma ocasião? Porque nascem inevitavelmente perguntas que nos recolocam em movimento: qual é a minha contribuição neste momento de tão grande confusão? É possível recomeçar? Em que deposito a minha esperança? Tenho ainda esperança ou o meu alívio é um simples “amanhã vai melhorar”? Qual é a minha responsabilidade?
A primeira responsabilidade que temos é a de nos educarmos para descobrir o que é o nosso “eu”. A origem dos valores (da vida, da pessoa, do bem comum...) está na descoberta daquilo que eu sou, do desejo de infinito que constitui o meu coração. Esse processo, que não é óbvio, é como juntar os cacos de um homem despedaçado que assim pode começar a dar valor às coisas: a uma garrafa, a um livro, até chegar à forma de tratar o dinheiro e a coisa pública. Esta é a crise profunda da qual estamos vendo as consequências: perdemos o valor das coisas porque perdemos a consciência do nosso “eu”.
“Nada é tão fascinante quanto a descoberta das reais dimensões do próprio eu, nada é tão rico de surpresas quanto a descoberta do próprio rosto humano. É uma aventura apaixonante. Mas, para lançar-se nessa aventura e vencer aquela estranheza em relação a nós mesmos, é preciso alguém com quem olhar o humano que há em nós, alguém que não se assuste diante dele” (J. Carron, A beleza desarmada. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2016, p. 136).
O Papa Francisco é testemunha viva desse olhar. Vê-se a sua esperança e como ela gera uma presença que não deixa ninguém indiferente. Um “eu” vivo que não se lamenta diante das dificuldades do mundo, mas se move servindo o homem. Por que ele é assim?
Estamos num momento crucial em que cada um de nós pode deixar-se levar pelo pessimismo e pela acusação a um mundo corrupto e sem esperança, ou pode começar a desejar aprender esse processo de construção lenta e árdua, mas real, possível, que desenvolve uma cultura nova. Com humildade precisamos aprender a aprender -  como dizia Zygmunt Bauman, o mais importante estudioso da sociedade pós-moderna: “Ensinar a aprender. O oposto das conversas comuns que dividem as pessoas: umas certas, outras erradas. Entrar em diálogo significa superar o limiar do espelho, ensinar a aprender a se enriquecer com a diversidade do outro. Ao contrário dos seminários acadêmicos, dos debates públicos ou das discussões partidárias, no diálogo não há perdedores, mas apenas vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo em que se envelhece e se morre antes de crescer. É a verdadeira revolução cultural em relação àquilo que estamos acostumados a fazer e é o que permite repensar a nossa época. A aquisição dessa cultura não permite receitas ou escapatórias fáceis, ela exige e passa pela educação que requer investimentos de longo prazo. Nós devemos nos concentrar nos objetivos de longo prazo. E esse é o pensamento do Papa Francisco. O diálogo não é um café instantâneo, não dá efeitos imediatos, porque é a paciência, a perseverança, a profundidade. Ao caminho que ele indica, eu acrescentaria uma única palavra: assim seja, amém” (Entrevista a Stefania Falasca, publicado no jornal italiano Avvenire, em 20/09/2016).
Jornal "O São Paulo", edição 3124, 19 a 25 de outubro de 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário