Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ulisses Barres de Almeida, doutor em Astrofísica, é pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCTI), leciona no programa internacional de pós-graduação IRAP, e membro da Associazione Euresis, dedicada ao debate entre fé e ciência.
Uma teoria física que descreva alguma lei fundamental é um
instrumento intelectual de enorme potência tecnológica e cultural. Tecnológica,
porque abre portas para que o homem domine um novo aspecto da realidade, cuja
natureza e o controle, antes lhe escapavam. Basta pensar no desenvolvimento da
termodinâmica no século XVIII, que levou a Inglaterra, berço da máquina a vapor
e da revolução industrial, à hegemonia econômica e política mundiais. A
mecânica quântica, o transistor e os computadores são outro exemplo, moderno,
da mesma dinâmica, donde seguiu-se o Vale do Silício.
O potencial cultural não é menos evidente. A mecânica
newtoniana, por exemplo, influenciou a gênese de uma concepção mecanicista do
mundo na era moderna. Do mesmo modo, várias correntes de pensamento do século
XX beberam da fonte escavada por Einstein e os físicos quânticos dos anos 20 e
30.
A teoria da relatividade de Einstein, em particular a
Relatividade Geral, que substitui a descrição clássica de Newton sobre a gravidade
é, em certo sentido, algo ainda mais especial. No pano de fundo da Física
Clássica, o espaço e o tempo, e por consequência o próprio universo, eram
eternos e imutáveis, um palco fixo no qual se desenrolava o drama cósmico.
A Relatividade de Einstein levou a uma nova visão do espaço
e do tempo, isto é, daquilo que poderíamos chamar o próprio “tecido da
realidade”. Estes dois entes fundamentais deixaram então de ser quantidades
passivas, para se tornarem dinâmicos, deformando-se e mudando de aspecto (o
espaço se dilata e se contrai, a passagem do tempo se acelera ou se retarda)
como resposta aos eventos em curso. Além disso, o próprio tempo deixa de ser
algo etéreo e se torna a quarta dimensão daquilo que chamamos hoje o
espaço-tempo.
Este espaço-tempo dinâmico revolucionou a natureza de tudo,
tal como entendida pela razão humana. Um espaço-tempo dinâmico abriu portas
para a descoberta e entendimento do Big Bang, permitiu a descrição de um
universo que se expande e que portanto evolui, sujeito à novidade, um universo
no qual átomos se formam onde antes não existiam, criando galáxias e estrelas,
ao redor das quais planetas dão origem à vida. O espaço-tempo dinâmico da
Relatividade Geral permitiu ao cosmos, à realidade, ter uma história própria, e
a história humana passa a ser um capítulo deste livro. A Relatividade Geral
abriu renovado espaço para discussões filosóficas e teológicas sobre o sentido
e destino do cosmos, duas palavras que só existem dentro de um conceito de
história.
Ondas gravitacionais são a comprovação mais forte e direta
da realidade deste “tecido dinâmico” no qual estamos imersos. Cada pedaço de
matéria que se move no espaço-tempo deixa um rastro do seu passeio, ondas no
espaço e no tempo, que os cientistas do experimento LIGO registraram ao medir
as vibrações microscópicas produzidas por elas.
As ondas gravitacionais detectadas pelo LIGO nos trazem
notícias da colisão de dois buracos negros, ocorrida há mais de 1 bilhão de
anos e abrem uma nova era na Astrofísica, uma descoberta que será considerada
entre as maiores do século XXI. Elas confirmam a verdade física de uma ideia.
Agora podemos dizer: “O mundo é assim!”, e gozar do prazer e alegria
inigualáveis de conhecer uma verdade nova, recém-revelada. Contemplamos o
mistério de um universo em evolução, de uma realidade e de um futuro que não
são fechados, mas abertos à novidade, que marcou toda a história cósmica até
nós - como as ondas gravitacionais, que lhes são a memória, nos mostram.
Jornal "O São Paulo", edição 3090, 24 de fevereiro
de a 1º de março de 2016.
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