Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
José Mário Brasiliense Carneiro, advogado com doutorado em Administração, Diretor da Oficina Municipal, uma escola de cidadania e gestão pública vinculada à Fundação Konrad Adenauer e
conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Diante de uma situação complexa como a das eleições de 2014 é
justo buscar a essência do fenômeno que se apresenta a nossa percepção, consciência
e razão. Esta era a postura da filósofa Edith Stein, judia convertida ao
catolicismo que se fez monja carmelita com o nome Teresa Benedita da Cruz e, em
1942, morreu como mártir no campo de concentração de Auschwitz.
Em 1925, Stein publicou uma pesquisa sobre o Estado na qual
afirmava que sua essência é a soberania e que esta não decorre do poder do
exército ou da polícia. São as pessoas, comunidades e sociedades que constituem
um povo e este confere personalidade soberana ao Estado.
Nesta perspectiva da fenomenologia, poderíamos afirmar que a
essência dos processos eleitorais é exatamente transferir a soberania de um povo
aos governos por meio de mandatos limitados no tempo, espaço e escopo.
Poderíamos acrescentar, do ponto de vista do ensino social cristão, que os mandatos
deveriam ter como finalidade, necessariamente, o bem comum, a unidade e a
liberdade do povo.
Nas eleições deste ano vimos que, muitas vezes, em lugar de apontar
para o bem comum, campanhas personalistas com conteúdos superficiais conduziram
à fragmentação do eleitorado. Parte disto se explica pela legislação que há
anos disciplina o sistema eleitoral e partidário. O Código Eleitoral é de 1965
e o sistema multipartidário nasceu da Lei 6.767, promulgada em 1975. O espírito
que orientou a criação destas leis é aquele do regime autoritário militar que buscava
dividir a oposição, enfraquecer a unidade e calar a voz do povo.
Apesar de mudanças operadas nesta legislação, a fragmentação
tem sido uma constante nos últimos pleitos e expressa-se no número excessivo de
partidos e candidatos. Contribui com isso a má distribuição do tempo dos
partidos no discutível horário eleitoral, o financiamento injusto das campanhas
e o poder de persuasão do marketing político. Independentemente dos resultados,
podemos dizer que essência do processo eleitoral perdeu-se em meio a um mecanismo
confuso e até desagradável para o eleitor.
Parece-nos que chegamos ao limite deste sistema e por isso as
regras devem ser revistas por uma reforma política orientada pelos princípios
da subsidiariedade e da solidariedade. Somos favoráveis ao voto distrital misto,
financiamento público, cláusula de barreira e fidelidade partidária. Alguns movimentos
propõem uma assembleia constituinte que teria a tarefa de realizar esta reforma,
tese com a qual discordamos pois trata-se de alterar uma legislação
infraconstitucional.
A Constituição de 1988 traz um bom projeto de Estado
Democrático de Direito que precisa de tempo para realizar-se, assim como um
Concilio da Igreja. Religião e Política requerem paciência.
Cidadãos e cidadãs deverão formar-se melhor em política e organizar-se
para participar e fortalecer as associações, partidos, poderes legislativos e executivos
da Federação. Na Igreja, as leigas e leigos estão sendo convidados pelo papa
Francisco a engajar-se com coragem na vida pública. Como no período autoritário
devemos lutar pelas reformas das estruturas que aquele regime produziu e que ainda
minam a democracia. Uma tarefa urgente pois as eleições de 2016 e 2018 já batem
as nossas portas.
Jornal “O São Paulo”, edição 3025, de 29 de outubro a 4 de
novembro de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário