Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Para nós católicos, o Natal tal como celebrado hoje em dia
sempre causa certo incomodo e mal estar. Parece uma estranha festa de
aniversário para a qual o aniversariante não foi convidado – e às vezes parece
nem mesmo ser bem vindo.
A mercantilização de todas as esferas da vida, típica de
nossa sociedade, parece estar fazendo com o Natal exatamente o que o
cristianismo fez com a festa do solstício de inverno, na Roma antiga.
Até 25 de dezembro, os dias do ano vão ficando mais curtos e
a noite mais longa no hemisfério norte. A partir desta data o processo se
inverte – indicando que o sol recomeça a “vencer as trevas” da noite. Os
cristãos, reza a tradição, teriam se apropriado da festa romana que ocorria
nesta data, comparando o nascimento do Cristo à vinda do sol vencedor das
trevas da morte.
Hoje, quem se lembra da celebração romana do solstício
quando pensa no Natal? A mesma coisa parece estar sendo feita pela nossa
sociedade: a mercantilização da vida se apodera do Natal, que parece deixar de
ser a festa do Cristo que vem para ser uma nova celebração do consumo.
Mas será só isso? Não, a festa do Natal do consumo – como
todas as festas do consumo “inventadas” pelo comércio – traz em si uma
contradição inevitável: o consumo não pode ser celebrado em si mesmo, um
acontecimento ou uma pessoa tem que ser a razão da festa, o motivo do consumo.
Isto é bem claro em nossos dias das mães, dos pais ou dos namorados.
O que se comemora neste Natal do comércio, neste aniversário
sem aniversariante? O próprio “dom”, o presente, o prazer de dar. Para os
adultos é o momento, cada vez mais raro em nossa cultura, em que se tem que
reconhecer que dar alguma coisa a outro pode trazer felicidade.
Para todos, adultos e crianças, é a ocasião de esperar ou
fantasiar um acontecimento de pura gratuidade, a existência de uma pessoa que
vive distribuindo o dom da vida e da alegria – um Deus esperado, de modo
declarado ou velado, por todos os homens; ou um Papai Noel de fantasia, uma
ilusão que delicia nossas crianças, as anestesia para as contradições da vida,
mas deixa aberta a ferida de uma gratuidade que parece impossível no cotidiano.
Qual criança, acreditando em Papai Noel, não enfrentou a tristeza inevitável e
inconsolável de saber que, terminada a festa, ele só voltará dali a um ano?
Para uma Igreja que deseja sair de si, ir ao encontro das
pessoas, como pede o Papa Francisco, não basta condenar o consumismo e a
comercialização do Natal. É necessário recuperar este desejo de amor, esta ânsia
por um dom gratuito, que se manifesta – inevitável – mesmo neste Natal
comercializado de nossos tempos.
O maior escândalo do Natal não é o delírio consumista dos
que podem comprar, mas a carência dos que aparentemente nada tem para celebrar
neste dia. Dos que estão “nas periferias da existência” vítimas da pobreza
material e/ou da solidão sem sentido.
Temos que compreender que quando a Igreja propõe ao mundo o
amor gratuito do Deus feito homem, propõe algo que corresponde profundamente ao
coração de todos nós – sejamos adultos afobados querendo comprar uma felicidade
que não está a venda, sejamos crianças excitadas com a perspectiva do brinquedo
novo.
Temos que compreender que a felicidade não está na
celebração fechada em si de um Natal consumista, mas no Natal que nos envia às
periferias da existência, imitando o Aniversariante esquecido.
Jornal “O São Paulo”, edição 3032, de 17 de dezembro de 2014 a 7 de
janeiro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário