Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ricardo Gaiotti Silva é advogado, juiz eclesiástico no Tribunal Interdiocesano de Aparecida, mestrando em Filosofia do Direito pela PUC-SP e mestrando em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de Salamanca - Espanha.
Muito mais do que
uma crise política, a sociedade brasileira vive uma crise de confiança. Este
fato é mais sério do que se possa imaginar. Pense em uma mãe que não confia no
médico do seu filho adoentado. Imagine descer a estrada de Santos – com suas
curvas sinuosas – desconfiando da perícia do motorista. Exemplos assim nos levam
a concluir: a desconfiança gera um estado de desespero e medo.
A confiança é geralmente
relação entre “pessoas”. Há quem confia e aquele a quem é confiado. Há momentos
em que confiamos, outros em que alguém confia em nós. Porém, queremos ser
dignos de confiança, mas estamos demasiadamente feridos para depositar nossa
confiança; consequentemente, este fluxo de relação fica “engarrafado” – quem
vive em São Paulo sabe muito bem o peso desta palavra.
Quando não
confiamos, começamos a medir tudo simplesmente por meio dos nossos conceitos e
preconceitos. Passamos a ser nós mesmos o critério da justiça, da verdade, da
beleza, etc.
O exemplo de “Narciso”
– personagem da mitologia grega – ilustra bem o perigo da “fantasia” da
autoconfiança. Ele, apaixonado por si mesmo e sua imagem, acabou morrendo
afogado no lago quando contemplava o reflexo de sua “perfeição”.
O escritor inglês
G. K Chesterton, em sua obra Ortodoxia, afirmou: “os homens que realmente
acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos” /.../ “Toda
autoconfiança não é simplesmente um pecado, total autoconfiança é uma
fraqueza”.
Trato essas
questões para apresentar o que para mim é o centro dos problemas sociais,
econômicos e políticos em nosso país: a crise de confiança.
Não temos confiado
nas pessoas, mas temos confiado demasiadamente em nós mesmos. Parece um
absurdo, mas a autoconfiança desmedida, ao invés de gerar coragem, proporciona medo
e desencontros. Como consequência, temos criado verdadeiramente espaços “engarrafados”,
pois, “encantados” com nossa autoconfiança, estamos cada vez mais em uma
sociedade de pessoas egoístas, fracas e tristes.
O remédio é a confiança!
A confiança caminha
lado a lado com a solidariedade e com o senso de responsabilidade social, pelo
simples fato de que não fomos criados para vivermos isolados, sendo nós mesmos
a medida do que é bom, justo e belo.
A decisão corajosa
de confiar, de se colocar a serviço dos outros, é capaz não somente de
transformar os homens, mas também toda a sociedade. Cabe às pessoas de boa
vontade o dever de testemunhar a confiança e a solidariedade.
Urge a manifestação
dos homens de bem!
Enfim, o fato é que,
ao tomarmos consciência que nossos atos, nossa vida tem uma dimensão maior do
que simplesmente a dos interesses pessoais, tudo muda, passamos a viver mais
leves, sóbrios, seguros, contudo é preciso desprender-se das amarras do
isolamento e caminharmos para a solidariedade, pois a confiança é um ato de
coragem!
Se queremos um país
mais justo, honesto, fraterno, solidário, o segredo é romper com a “fantasia”
do amor próprio, da autoconfiança desmedida e colocarmos em prática uma velha
regra que tem sido uma diretriz para a justiça: “Tudo aquilo que quer que os outros
vos façam, fazei vós a eles (Mt 7,12)”, sendo nós mesmos o instrumento de
mudança social. Que tal confiarmos?
Jornal “O São Paulo”, edição 3043, de 18 a 24 de março de
2015.
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