Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Iniciamos 2015 impactados pelo atentado ao Charlie Hebdo e seus desdobramentos.
Pouca gente se deu conta, porém, que naqueles mesmos dias os extremistas
islâmicos do Boko Haram mataram cerca de 2000 pessoas no ataque a uma cidade na
nigeriana.
É compreensível que os jornais ocidentais deem muito mais
cobertura a um fato ocorrido em Paris, afetando direta ou indiretamente a vida
de grande parte de seus leitores, que a outro acontecido no coração da África,
num contexto que parece totalmente estranho a seus leitores.
O problema é que estes acontecimentos estão interligados e
exigem respostas conjuntas.
O uso das armas – ainda que necessário em muitos casos
extremos – não tem resolvido o problema. Pelo contrário, parece só aumenta-lo.
Neste sentido, a resposta da Igreja se revela cada vez mais sensata e abrangente:
só o diálogo e o encontro entre religiões e culturas, associados a um
desenvolvimento humano integral e justo de todos os povos, podem garantir a paz
mundial.
Não é uma ideia recente. Está presente em todas as mensagens
papais sobre o tema desde a Pacem in
Terris de João XXIII – e até antes.
Evidentemente o caminho do diálogo não eliminará atos
terroristas e ações extremistas. Nossa sociedade ocidental há poucas décadas se
livrou de grupos como as Brigadas Vermelhas italianas e o Baader-Meinhof
alemão, e ainda enfrentamos franco-atiradores que disparam contra dezenas de
inocentes e se suicidam (lembram-se do massacre de Columbine, nos EUA?).
O objetivo deve ser construir uma paz mundial onde estes
episódios terroristas sejam casos de polícia (atos individuais, condenados por
toda a opinião pública) e não de política (atos de grupos sociais que se sentem
no direito de atentar contra os demais).
Mas os desdobramentos do atentado ao Charlie não parecem mostrar um grande espírito de diálogo e vontade
de encontrar o diferente.
Houve a espetacular manifestação que reuniu mais de 1 milhão
de pessoas em Paris, com uma “comissão de frente” que reuniu desde líderes
europeus até Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, e Benjamin Netanyahu,
primeiro-ministro israelense. Mas no dia seguinte os jornais estavam inundados
com críticas a este ou aquele chefe de Estado e interpretações da manifestação
como um gesto belicoso contra o terror e não como afirmação de um desejo de paz
compartilhado.
Não faltou quem usasse os atentados para atacar as religiões
em geral, associando-as a todas as formas de violência da história. Ou que
interpretasse as manifestações contra o terrorismo como defesa do relativismo,
da incerteza e do ataque a todas as crenças, desrespeitando a heterogeneidade
evidente que existe entre mais de 1 milhão de manifestantes.
Estas pessoas não percebem que transformaram seu
agnosticismo e seu relativismo numa nova religião, igual ás mais
fundamentalistas que criticam, dispostas não à violência física, mas sem dúvida
à violência intelectual, tão incapazes de diálogo e encontro quanto os
extremistas que combatem.
E ainda criticam o Papa, acusando-o de um discurso ambíguo
ou confuso. Não aceitam um discurso voltado ao diálogo, que procura entender as
razões do outro, acolhe-lo em suas frustrações e seu desejo de realização, ao
invés de massacrá-lo intelectualmente.
Quem começa o verdadeiro diálogo? Quem é capaz de amar
sinceramente o outro, quem se sabe amado e por isso se sente livre diante do
outro.
Nestes tempos difíceis, o cristianismo não é uma objeção à
paz, mas um dos poucos, talvez o único, caminhos para construí-la num mundo
laico carregado de ódio, soberba e divisão.
Jornal “O São Paulo”, edição 3035, de 21 a 27 de janeiro de
2015.
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