Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
O desejo de mudança que se manifestou nos protestos do último ano e meio se refletiu na perda de cadeiras no Congresso dos grandes partidos no poder, que foram de modo geral para novos partidos.
Contudo, a taxa de renovação do Congresso foi pouco maior
que a de 2010 (43 a 42%), os “políticos de sempre” se reelegeram e muitos
candidatos entrarão por conta da “transferência dos votos” de candidatos muito
votados do mesmo partido.
A política personalista (voto em quem eu confio) venceu a
programática (voto nas ideias que defendo). Imaturidade política do eleitor?
Talvez, mas também desconfiança e distância entre as lideranças mais
ideológicas e o povo.
A população mostrou nas urnas que quer a manutenção das
políticas sociais voltadas aos mais pobres, mas não quer grandes partidos
assistencialistas, que têm dificuldade de melhorar a saúde, a segurança e a
educação – ou que facilmente se enredam em escândalos de corrupção.
Está se consolidando uma “nova esquerda”, que rouba votos da
esquerda tradicional e ganha expressão própria, numa dinâmica que já se
anunciava nas eleições de 2010. A grande ameaça a esta esquerda tradicional
reside na sua dificuldade em assimilar o novo que surge, pois isto a enfraquece
em termos de alianças e de aceitação pelos jovens e nas grandes cidades.
Muitos analistas apontam para o crescimento da “ala
conservadora” do Congresso, mas misturam dados econômicos (como ser empresário)
com outros comportamentais (ser contra o aborto, por exemplo). Isso cria uma
certa confusão.
O quer se vê, neste caso, é que numa sociedade pluralista e
relativista, candidatos que defendem valores tradicionais – como a família –
tendem a ser mais votados pela população.
Assim como a insegurança das periferias urbanas favorecem candidatos que
defendem uma ação enérgica da polícia – ainda que pondo em risco os direitos
humanos.
Novamente aqui o problema, para muitos, é a dificuldade de
entrar na “alma popular” e compreendê-la, colocando realmente seus mandatos a
serviço do povo e em sintonia com ele.
A sociedade brasileira sai mais polarizada e as diferenças
estão mais acirradas? Apesar desta ser a impressão de muitos, uma análise
cuidadosa dos dados históricos não evidencia isto.
A sociedade brasileira passa por um processo de
amadurecimento político, que sempre é lento e cheio de contradições. O que
estamos vendo é principalmente uma tensão que nasce da percepção de uma
urgência de respostas diante do contexto atual – respostas que não são
fornecidas com segurança por nenhum candidato ou partido.
Diante disto, tendemos a nos perder num confronto onde cada
um quer, de forma até agressiva, se mostrar como certo e apontar o outro como
errado.
Porém, a grande pergunta não é quem está certo ou quem está
errado, mas sim como podemos fazer para construir juntos?
Todos os políticos eleitos deverão fazer este esforço de
construir juntos o bem comum, atentos às reivindicações do povo, não colocando
esquemas ideológicos ou interesses corporativos à frente das necessidades reais
e das aspirações da população.
Mas também o povo, e particularmente nós, que já
participamos ativamente da Igreja e de outras associações, somos chamados a
construir uma sociedade cada vez mais protagonista e capaz de lutar pelo bem
comum.
Jornal “O São Paulo”, edição 3023, de 15 a 21 de outubro de
2014.
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