segunda-feira, 15 de maio de 2017

“Mãe é tudo igual, só muda o endereço”: será?

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Magna Celi Mendes da Rocha é doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP, é assessora da Pastoral Universitária da PUC-SP e membro da comunidade católica Shalom. É mãe de quatro filhos. 

Estereótipos, rótulos, fôrmas são, na melhor das hipóteses, tentativas de simplificar e compreender a realidade que nos cerca.  Quando conseguimos caracterizar, categorizar, definir, classificar parece que a complexidade torna-se menos assustadora e assim, adquirimos certo domínio sobre os fenômenos.
Quando o assunto é maternidade, ao menos em um primeiro momento, trata-se de um tema menos complexo. Afinal, no mundo ideal, “Mãe é tudo igual, só muda o endereço”. Adjetivos relacionados à maternidade não faltam: ternura, bondade, desprendimento, amor, dedicação, confiança. No mundo real, podem existir ainda outros: medo, insegurança, culpa, abandono, rejeição, maus-tratos, indiferença, revolta.
Em geral, compreendemos com tranquilidade que cada filho é único. Porém, ainda resistimos em aceitar que cada mãe é igualmente única. Uma mulher, situada em um tempo e um espaço, com história pessoal própria e uma gama de potencialidades e limites que são postos em cheque a cada instante.  A maternidade é, portanto, uma experiência única, situada no aqui e no agora.  Nunca uma vivência a-histórica.
Se em outros tempos, por exemplo, as mulheres eram reconhecidas, sobretudo, pela sua capacidade reprodutiva, hoje estamos diante de um quadro em que parece uma ofensa romper a barreira do segundo filho, de modo que as novas gerações sentirão dificuldade em compreender a expressão “Igual coração de mãe: sempre cabe mais um.”
Mulher não é tudo igual. Mãe não é tudo igual! Viver a maternidade conscientemente requer tomar parte daquilo que nos constitui, tanto no âmbito pessoal como comunitário. Compreender aquilo que nos constitui não apenas para  conformar-se com  ele, nem para justificar-se e esconder-se, mas também para avaliar o que realmente nos edifica. Decidir sobre o tipo de mãe que queremos ser, ainda que alguns duvidem,  está ao nosso alcance.
A maternidade é inevitavelmente uma via de dores e alegrias, cruz e ressurreição. O mesmo filho que nos faz rir, também nos faz chorar - quase sempre não intencionalmente - mas essa é uma via da qual dificilmente escapamos.
A via da reconciliação faz-se, portanto, também necessária. Reconciliar-se com a própria história de vida e, a partir dela, alçar novos horizontes é uma possibilidade humana que não devemos desperdiçar. Uma reconciliação que consiste em admitir falhas e erros de outros e os próprios. Da mãe que tivemos e da que somos ou seremos.
Reconciliação que significa, ainda, substituir as lentes da (auto)crítica e do (auto)julgamento, pelas lentes da gratidão e do reconhecimento, sob a pena de sermos esmagados pelo fardo da busca de uma perfeição inalcançável aos humanos.
Mesmo Aquela que muitos temos como referencial de Mãe também era única. Podemos nos espelhar, admirar, desejar suas virtudes, mas, ainda assim, nos apropriaremos delas de maneira original e nunca da mesma forma.
Portanto, ousemos ser mais nós mesmas, com nossas fraquezas, limitações, alegrias, medos e esperanças. Ousemos amar nossos filhos com um amor livre, desinteressado, grato e feliz. Renunciemos ao fardo de acertar sempre, sendo sempre mais originais e autênticas, renunciando aos rótulos ou estereótipos.  Afinal, “Mãe só tem uma!”
Jornal "O São Paulo", edição 3150, 10 a 16 de maio de 2017.

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