segunda-feira, 10 de abril de 2017

A relação entre homem e mulher, entre o poder e o dom

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Em pleno século XXI, persistem em nossa sociedade alguns fatos inaceitáveis com relação à situação da mulher: das desigualdades de renda (elas têm remuneração menor que seus colegas homens) e na condução do lar (elas dedicam-se às tarefas domésticas em média 7,5 horas mais do que seus maridos, apesar de terem uma carga de trabalho comparável nos empregos) até a escandalosa violência sobre a mulher, passando pelo acesso desproporcionalmente reduzido aos espaços de decisão no âmbito corporativo e político.
É a partir desses fatos e de sua pertinácia que nasceram as controversas “teorias de gênero”. Cabe esclarecer que há muitas correntes, que vão dos estudos científicos sérios e fundamentados ao mero panfleto ideológico, discutindo a questão do sexo (diferença biológica entre homem e mulher), da sexualidade (vivência do sexo) e do gênero (expressão e adequação entre sexo e sexualidade pela sociedade), Umas sublinham que o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, a partir do qual busca pensar a história e entender as hierarquias sociais e relações de poder. Outras sustentam que a diferença sexual é efeito das relações de poder e dos discursos sobre gênero e sexualidade. Apesar das diferenças, a maioria compartilha uma mesma posição antropológica.
As “teorias de gênero” partem de uma concepção do ser humano visto em sua individualidade. As relações que ele estabelece seriam fundamentalmente relações de poder (de opressor e oprimido). Para se emancipar dessa dominação, seria preciso libertar-se de tais laços, “ser dono do próprio nariz” (e do próprio corpo), e não se submeter ao que dita a sociedade. Esse mesmo indivíduo é visto “fatiado” em suas dimensões biológica, psicológica, social e espiritual, sem que elas se integrem harmonicamente. Outra característica de tais posicionamentos – aliás, de muitos saberes contemporâneos – é cada ciência (filosofia, sociologia, antropologia, psicologia, neurociências, biologia…) seguir isoladamente em suas investigações, sem uma considerar as contribuições das outras.
A discussão sobre esse tema complexo, que acontece na academia e tem reflexos na política e na educação, representa para os cristãos uma oportunidade de contribuírem proficuamente. Penso que possam dar importantes aportes justamente nos pressupostos das citadas correntes. A antropologia iluminada pelo cristianismo vê o ser humano de modo totalmente diverso dessa visão reduzida a relações de poder. O cristianismo vê a pessoa como sujeito livre em sua integridade biopsicossocial e espiritual, e suas relações (consigo mesmo, com Deus, com os outros, com a natureza e com as coisas) como relações de dádiva. Sua identidade é percebida e afirmada justamente enquanto ele se doa. Portanto, a identidade feminina (e masculina), com a consequente assunção de papeis sociais, se dá nessa troca recíproca de dádiva. Além disso, os cristãos podem contribuir num diálogo transdisciplinar, capaz de lançar novas luzes em cada ciência.
O pensamento católico tem páginas sublimes sobre a relação homem-mulher no interior do matrimônio, amiúde desconhecidas dos próprios cristãos. Mas ainda são poucas as reflexões sobre a relação homem-mulher em outras esferas da vida humana (na Igreja, no mundo do trabalho, na política…). É pouco difundido o pensamento de João Paulo II, Chiara Lubich, Edith Stein e outros a respeito…
Em tempos em que a Igreja é chamada a sair ao encontro da sociedade contemporânea, inclusive como um “hospital de campanha”, está aí um desafiador horizonte a se descortinar.
Jornal "O São Paulo", edição 3145, 5 a 11 de abril de 2017.

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