quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A propósito e propósitos de Ano Novo

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Chegou ao fim 2016. O balanço do que nele aconteceu, em nossa vida pessoal e ao nosso redor, na sociedade brasileira e no mundo, mostra pessoas, acontecimentos e vivências que foram dádivas para nós, pelas quais muito temos a agradecer a Deus, a nossos companheiros de viagem, à vida… E também episódios dolorosos ou obscuros, que requerem correção de rota, retomada, misericórdia…
Gostaria de apontar para um fenômeno que parece ter-se agudizado nesse ano que passou. Se já há muitos anos João Paulo II chamava os tempos atuais de “noite epocal”, essa noite parece ter-se tornado ainda mais escura, e a madrugada, ainda mais distante.
É nossa impotência ante as potências que se fazem de impotentes na Síria e no Mediterrâneo, nosso sofrimento diante dos refugiados tratados com insensibilidade pela esgarçada Comunidade Europeia, nossa insegurança pelos atentados midiatizados na Europa e os ignorados no Oriente Médio ou África. Em terras nossas, é nossa indignação ante a resiliência da arcaica estrutura social e prática política e a persistência de indicadores sociais a traduzir níveis inaceitáveis de violência, desigualdade, preconceito…
Há um “mal-estar civilizatório” que se exprime numa descrença nas instituições e na verdade dos fatos, num entrincheiramento das próprias opiniões e a adesão a discursos populistas. Enfim, há um retrocesso em termos de democracia, pluralismo, liberdade, dignidade humana, justiça social… É um cenário desalentador para tantos que comprometeram a própria vida, pagando por isso até um alto preço, com uma sociedade mais humana.
Em A Ressurreição de Roma, Chiara Lubich descreve sua percepção ao passar pela “Cidade Eterna” dominada no pós-Segunda Guerra pela “sordidez e vaidades”. “Diria que o meu ideal [de vida] é uma utopia se não fixasse o pensamento Nele, que também viu um mundo igual a este, que o cercava e que, no ponto culminante de sua vida, pareceu ser arrastado por tudo aquilo, vencido pelo mal. Ele também olhava para toda esta multidão a quem amava como a si mesmo… mas não duvidava”. E continua: “Olho o mundo que está dentro de mim e me apego àquilo que tem essência e valor… olho o mundo e as coisas; contudo, já não sou mais eu que olho, é Cristo em mim que olha, e vê de modo novo cegos que devemos iluminar, mudos que devemos fazer que falem e aleijados que devemos fazer andar”. 
Na noite escura dos tempos atuais, o Natal que há pouco celebramos aponta para uma estrela, para a Luz que há de alimentar nossa esperança e ser guia em nosso caminho, Jesus.
Todavia, escreve Chiara, “não é, decerto, o Jesus histórico, ou Ele enquanto Cabeça do Corpo Místico quem resolve os problemas. Quem faz isso é Jesus-nós, Jesus-eu, Jesus-você… É Jesus no homem, naquele determinado homem… quem constrói uma ponte, faz uma estrada… É sendo outro Cristo… que cada homem traz uma contribuição típica sua em todos os campos: na ciência, na arte, na política, na comunicação e assim por diante”.
Eis aí um ótimo propósito de Ano Novo: encarando o cenário do mundo ao nosso redor, cultivar uma intimidade com Deus que leve à ação transformadora da sociedade. Motivada não por uma utopia, talvez moldada por ideologias, mas pela dimensão profética que o Evangelho incute em nós de traduzir, nas relações entre os homens, com a natureza e com os bens, o Reino de Deus que já (e não ainda) está entre nós…
Jornal "O São Paulo", edição 3133, 11 a 17 de janeiro de 2017.

Um comentário:

  1. Ótimo texto, apesar de tudo é preciso resgatar o que temos de bom em nós e no mundo. Os tão decantados pecados e a falta de uma vivência dos ensinamentos cristãos levam às condições atuais, há consequências espirituais, mas, sobretudo, de ordem prática. Fé e obras devem seguir juntas. Que obras produz uma fé verdadeira? As obras que testemunhamos?

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