Profa. Dra. Maria Aparecida Mazzante
Colacicco é Psicóloga Clínica, PhD. Membro do Instituto BIO10 – Bioética &
Desenvolvimento Social. mazzante@alumni.usp.br
A Morte é a única certeza das nossas vidas. Todos temos um
encontro no Futuro, não sabemos como, onde e quando.
Freud (1916) diz que “o luto é uma reação à perda de um ente
querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido,
como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”.
O Luto deve ser vivenciado e superado para que não seja considerado
uma condição patológica na vida a quem foi arrebatado um ente querido.
O processo do Luto traz consigo mudanças temporárias no
estilo de vida de quem o vivencia, tal como a perda de interesse pelo cotidiano
e pelo convívio social. Sendo assim, deve ser respeitado e acompanhado por quem
está perto do enlutado.
No exterior o conceito de Luto é bem mais desenvolvido do
que no Brasil, somos um país mais novo do que a Europa, por exemplo, nunca
tivemos Guerras e sim Carnavais!
Normalmente o Luto carrega consigo outras perdas, ou seja
outras separações. Diante de uma perda, outros laços afetivos que partilhavam
da vida do enlutado, são desfeitos, por vários motivos, desde mudança de casa,
de bairro, de escola /faculdade, de trabalho, questões financeiras e outras
vezes até mesmo requer a mudança de país.
Falaremos de uma forma geral sobre o Luto, para se ter uma
noção do quanto ele é importante na vida de qualquer ser humano.
É necessário reforçar que o acolhimento deve sempre ser
priorizado por quem está próximo do enlutado, para isso é primordial que a
pessoa perceba que é capaz de acompanhar o outro, nem que seja estar perto,
ainda que sem falar nada.
A morte é um processo interior, quanto menos palavras,
melhor para que se possa vivenciar a dor e poder reelaborar os fatos que se
seguirão.
Descreveremos brevemente a questão de luto para crianças e
depois mais extensivamente em adultos.
As crianças em cada idade tem uma forma de reação e compreensão
sobre o Luto, pois, antes dos 7 anos de idade, há a predominância do pensamento
concreto e torna-se difícil o entendimento de tal acontecimento.
Após os 10 anos de idade, a criança começa a desenvolver
explicações amplas, gerais, essenciais e lógica sobre a morte, reconhecendo-a
como parte integrante da vida corporal. A oposição entre a vida e morte
torna-se mais radical.
As reações de uma criança à morte de uma pessoa,
especialmente se for um dos pais, são variadas e derivam de uma interligação
entre vários fatores, idade, nível de desenvolvimento emocional e cognitivo, a
proximidade afetiva em relação ao progenitor falecido e o sobrevivente.
Normalmente a vinculação da criança era maior com a mãe,
hoje em dia sabe-se que o pai também ocupa um papel preponderante na vida do
filho.
Sempre é importante que seja dita a verdade para a criança
em qualquer idade e procurar ser um sustentáculo para que ela possa apoiar-se
nos familiares mais próximos, nas amigas da escolas, famílias vizinhas e professoras.
Deixar que possa falar a qualquer momento da perda e de seus sentimentos.
O Luto tem Fases, tem Tempo e tem formas variadas, para cada
pessoa e também conforme a proximidade com o falecido.
As Fases do Luto, não necessariamente a pessoa passa por todas as fases e nem na
ordem que será apresentada.
O Tempo do Luto pode
ser extremamente variável, desde a proximidade com o falecido,
até a raiva que em algumas vezes pode ser muito intensa.
Os Tipos de Luto são
desde o Natural até o Traumático.
As Fases do Luto são:
Torpor: O indivíduo
recentemente enlutado sente-se descrente, em choque, atordoado, desamparado. Trata-se
da dificuldade de aceitar a perda.
Negação: Apresenta-se
como um mecanismo de defesa frente a situação tão dolorosa, é uma forma de suavizar
o choque.
Anseios: Crises
intensas de choro e dor profunda, especialmente dor no coração e sentimento de
vazio. A perda pode gerar um grande anseio de reencontrar a pessoa morta. A
impossibilidade desse reencontro, cada dia mais real, produz uma sensação de
segurar os pertences da pessoa, para poder tornar viva a sua lembrança. Isto
pode prolongar um Luto desnecessário.
Culpa: Em muitos
casos esse sentimento é muito presente, lembranças do que poderia ter feito
diferente em relação à pessoa falecida, ou alguma coisa que poderia ter evitado
a morte dela.
Raiva/ Desespero:
Hostilidade/ falta de prazer, o enlutado se volta contra as pessoas próximas,
contra amigos, familiares, médicos, Deus, de si mesmo. A pessoa pode
temporariamente se afastar dos demais, não querer contato algum até digerir a
dor.
Perigo: Em alguns
casos é necessário um acompanhamento próximo da pessoa enlutada, porque pode
fazer algo contra si mesma.
O Tempo do Luto:
Afeto: Como já
foi mencionado acima, o tempo do luto varia de pessoa para pessoa e da ligação
afetiva com o falecido. Ocorrem situações de boas lembranças do falecido,
especialmente quando deixou carinho/amor para quem o conheceu ou viveu com
ele. Na ausência dele/a aparece intensa
e dolorosa, embora tem várias constatações boas do relacionamento na vida
passada.
Decepção: Podem
surgir várias decepções com a pessoa que já se foi. Questões familiares que não
foram resolvidas, ou que se apresentam como problemáticas, desde vínculos pouco
afetuosos ou agressivos. Parte financeira comprometida em diversos níveis,
bancos, família, amigos, sócios. Em seguida ao enterro podem ser descobertas coisas
desagradáveis em relação ao falecido. Em geral são dificuldades que se somam na
elaboração do Luto.
Processo: Quando
o enlutado passa a construir um novo vínculo com a pessoa morta, passa a
estabelecer a relação em outra dimensão, passa a entender que não terá nenhum
encontro o que já morreu, até os verbos começam a aparecer no tempo
passado.
Sofrimento: diminui
na medida que precisa dar conta das coisas
que antes era o falecido que fazia. Passa a restabelecer algumas práticas
de forma diferente e adequada ao momento atual, desde resoluções até
encaminhamentos de coisas que ficaram por fazer.
Internalização: O
indivíduo falecido passa a ser internalizado, dentro do mundo da pessoa
enlutada.
Vínculos: O
enlutado passa a procurar apoio e compreensão das pessoas amigas, familiares;
retoma os vínculos antigos e procura construir novos.
Recaídas: Quando
se aproximam datas significativas que lembram o falecido.
Superação: Quando
o enlutado se insere de modo pleno nas atividades, é porque sua capacidade de
suportar perdas foi aumentada e encontra-se mais amadurecido. Os Sentimentos não se esquecem permanecem
depois de décadas, é uma vivencia do sofrimento, faz parte da história da vida da pessoa enlutada, porém
se consegue falar, explicar, contar do ocorrido e seguiu a vida, pode-se dizer
que é uma forma de superação.
Os Tipos de Luto:
Antecipatório para
a própria pessoa e para a família, ainda em vida. Em geral ocorre após o
Diagnóstico de uma doença grave. O paciente passa a viver no medo do que vai
ocorrer, quando vai ocorrer e como vai ocorrer. Passa a rever planos que tinha,
pode entrar em Depressão, ficar apático, triste, sem ânimo para as coisas das
quais gostava, ou pode entrar em Mania, querer fazer tudo o que não conseguiu
fazer até aquela época. Outros começam a se preparar para a finalização da
Vida, sem maiores problemas para si e para os que o rodeiam. Querem se despedir
das pessoas, procuram uma ajuda religiosa, caso ainda não tenham. É uma
situação de adaptação vivenciada tanto pelo Paciente como pelos Familiares.
Ex: Doença de Alzheimer, algumas pessoas escrevem cartas
como Ronald Reagan, pedindo desculpas por todo o trabalho que iria dar a sua
família em função da proximidade da doença.
Outro exemplo foi o surgimento da Aids, que surgiu uma
população de pessoas que sofrem com perdas múltiplas, bem como a ameaça a
própria vida, muitas delas, ainda escondem a situação em que vivem e suprimem
seus sentimentos de pesar e medo. É triste porque poderiam se apoiar nas
pessoas que as ajudariam a ultrapassar o prolongamento de vida que hoje já
existe em função do desenvolvimento dos medicamentos.
Luto de Amputação de
Membros: Em geral ocorre tudo bem com a equipe médica, mas é nesse ponto
que começam as dificuldades emocionais relacionadas com a vivencia do membro,
que não tem mais, pode ser por doença, acidente e chamamos de micro-luto. Essas
pessoas devem ser acompanhadas por familiares e profissionais médicos,
psicólogos por um bom período de tempo, em função de se adaptarem com o que não
existe mais e a nova adaptação na vida de outras maneiras para superarem o que
tinham.
Luto de Pessoas Vivas
a) Separação: são
situações que ocorrem na vida diante de uma perda por separação, em que a
pessoa continua viva, mas não próxima. Ambas as pessoas perdem coisas, as
histórias se modificam e cada um por processos semelhantes de dor e
afastamento.
b) Aposentadoria:
Quem não se prepara para tal na vida, quando se aposenta, parece entrar em um período
de “férias”, porém em seguida percebe que não tem mais para onde voltar, caso
não se prepararam para a mudança de atividade, podem cair em tristeza e
arrependimento.
c) Brigas Familiares: Famílias que se
davam bem, onde os avós, pais e agregados formavam um núcleo de afeto e
amizade, de um momento para o outro, por conta de questões financeiras,
heranças, vínculos que eram fortes se enfraquecem e acabam se destruindo.
d) Negócios: Sócios, ou famílias que por muito tempo
tinham um empreendimento aparentemente sólido, acaba do dia para a noite, por
desentendimentos e dívidas, que as pessoas se tornam inimigas.
Luto Natural: É
um processo natural após uma perda significativa, a pessoa fica desorientada,
sem chão, em alguns casos aparece uma forte dor no peito que é a expressão do
vazio.
O psiquiatra Parkes (1998) tem vários estudos sobre o Luto e
relata que o papel do médico, é explicar o luto normal e tranquilizar a pessoa
sobre a normalidade do luto.
Em um mundo que espera que os médicos aliviem todo o
sofrimento da humanidade, não é absurdo que as pessoas hoje procurem um médico
quando estão enlutadas, em lugar de um religioso.
As pessoas procuram os médicos para encontrarem procedimentos
mágicos para não sofrerem, e inúmeras vezes postergam o luto e este aparece
mais tarde na vida, e mais difícil de ser elaborado, com mais sofrimento.
Luto Complexo: Às
vezes o enlutado se fixa em algumas partes do processo do luto, como não
consegue dar as roupas do falecido/a, nem mesmo mexer no espaço que pertencia
ao outro, sendo assim, não consegue elaborar, ou seja, ultrapassar o luto e
avançar para outra etapa do luto.
Luto Adiado:
Ausência das reações normais que seriam necessárias frente ao ocorrido: choro,
impacto de atordoamento. Há pessoas que vão expressar esses sentimentos após um
longo período do ocorrido. A maior dificuldade dessas pessoas é que passam pelo
luto sozinhas, porque todos já o vivenciaram no tempo real. Podem causar
distúrbios emocionais sérios após um longo tempo do acontecimento.
Luto Inibido: O
enlutado não demostra sinais de sofrimento e de perda. Ele não se permite
vivenciar a realidade da perda. Retorna as atividades o mais rápido possível e
ainda se acumula de outras tantas para não vivenciar o sofrimento. No íntimo a
pessoa percebe que escapa, mas não quer entrar em contato com essa questão.
Luto Traumático:
O confronto com a morte se deu de forma violenta. Esses eventos são permeados
de terror, desamparo/ desespero, e são mais difíceis de serem superados. A
vivência do ocorrido vem inúmeras vezes à cabeça do enlutado e sempre
acompanhado do sentimento de terror
e desespero. Especialmente se a pessoa foi assassinada ou cometeu suicídio, o
Luto normalmente é mais demorado e impactante, por várias pessoas próximas e
também por muitas que a conheciam. Estes casos são a contramão da Vida.
Luto Coletivo: Em
geral é desencadeada por uma catástrofe natural (fenômenos da natureza,
recentemente tivemos o furacão Irma na Flórida) ou provocada (grupos
terroristas). Acompanha um profundo
sentimento de angústia que abala a forma do nosso viver. Expõe a sociedade a
sua vulnerabilidade, o mundo se torna um lugar imprevisível. Esse Luto é
vivenciado por todas as nações, etnias e crenças.
Um dos exemplos mais assustadores que percorreu o mundo foi
o terror que aconteceu nas Torres Gêmeas, na cidade de Nova York em 11 09 2001.
Nesse local, todos os anos nesse dia, são acesos dois fachos de luz azuis para relembrar
as vítimas.
O Luto pode trazer forças, assim como ossos quebrados que
quase todos já tivemos, podem ficar mais fortes, porque foram mais fortalecidos
para voltarem a dar conta do corpo, do que os que não foram quebrados. A
experiência de enlutamento pode trazer fortalecimento e maturidade àqueles que
até então foram protegidos por desgraças em sua vida.
A dor do Luto é tanto parte da vida quanto a alegria de
viver; é, talvez, o preço que pagamos pelo amor, é o preço do compromisso.
Ignorar este fato, acontecimento, ou fingir que não é para
dar tanta importância é cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar
despreparado para as perdas que irão ocorrer no decorrer de nossas vidas e
também para ajudar ou outros a ultrapassar suas próprias perdas.
Referências:
Aires, P. – A História da morte no oriente – Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1997Bowlby, J. – Apego, perda e separação – São Paulo, Martins
Fontes, 1985.
Freud, S.(1917) Luto e Melancolia, edição standard. Obras
Psicológicas Completas, v.3. Rio de Janeiro, Imago (1976).
Kovacs, M. J. (org). Morte e Desenvolvimento Humano -Casa do
Psicólogo (1992) (2).
Mendonça, N. L. B. O Luto como questão bioética. Dissertação
apresentada à Universidade Católica Portuguesa em Braga-Portugal, para o título
de Mestrado em Filosofia na área de especialização em Bioética. 2011.
Parkes, C. M. Luto: Estudos sobre a perda na vida adulta.
(trad. Maria Helena Franco)- 3ª. Ed. São Paulo, Summus, 1998.
Stork, R.Y.;Echevarría, J. A. Fundamentos de Antropologia: Um Ideal de La Excelencia Humana. Eunsa- Universidade Navarra, 4 ed. 1999.
Stork, R.Y.;Echevarría, J. A. Fundamentos de Antropologia: Um Ideal de La Excelencia Humana. Eunsa- Universidade Navarra, 4 ed. 1999.
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