segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Porque devem nascer?

Elizabeth Kipman Cerqueira, médica ginecologista-obstétrica, especialista em Logoterapia, coordenadora do Departamento de Bioética do Hospital São Francisco, em Jacareí/SP.

Em abril de 2012, no Journal of Medical Ethics foi publicado o artigo After-birth abortion: why should the baby live?, de autoria dos professores universitários, Alberto Giubilini e Francesca Minerva (http://jme.bmj.com/content/early/2012/03/01/medethics-2011-100411.full). No Resumo afirmam: “[...] o que chamamos de aborto após o nascimento (matar um recém-nascido) deve ser permitido em todos os casos em que o aborto é permitido, incluindo os casos em que o recém-nascido não é deficiente”. Os autores advogam o direito dos pais, sobretudo da mãe, de matar o recém-nascido se não desejarem tê-lo consigo e que isso seria preferível a entregá-lo para adoção. Não levantam nem mesmo a hipótese de crianças que apresentem alguma deficiência serem mantidas vivas.
Mas, por que as crianças portadoras de deficiência ou com previsão de curto tempo de sobrevivência deveriam nascer? Viktor Frankl afirma que a vida sempre tem sentido porque a pessoa sempre pode realizar valores, e os distribui em três grupos. Criativos: correspondem à capacidade de trabalho e de ação; Vivenciais: se realizam na capacidade de desfrutar, viver, encontrar-se, amar; de Atitude: capacidade de suportar o sofrimento inevitável e de, pela atitude assumida, realizar o sentido escondido inclusive na dor.
Pode-se argumentar que os pais teriam a oportunidade de atitude heroica ao amar o filho deficiente até sua morte natural realizando valores do terceiro grupo, mas teria sentido a própria vida da criança se ela não poderia realizar nenhum valor e nem teria consciência de realizá-lo? Sim, cada criança, novidade absoluta, traz um sentido único que só ela pode realizar; traz uma vocação, não importa que viva entre nós uma hora ou 100 anos. Por isso, a primeira e mais excelsa das vocações é o próprio chamado à vida: ela pode desfrutar o amor, experimentar o encontro, a acolhida de uma maneira única, intransferível a qualquer outra pessoa e, assim, pode ensinar os pais a amar não para si, para realizar seus próprios sonhos, mas de forma plenamente humana e transcendente.
Não importa quanto a cultura do sistema financeiro considere inútil aquela vida. A Bioética Personalista ao centrar sua atenção no agente que realiza ação e naquele que a recebe, privilegia o conhecimento do verdadeiro e propriamente humano capaz de ultrapassar toda exterioridade, como ser único na natureza que se revela a partir de sua interioridade, em direção ao interior de outro ser humano, sem preconceito algum.
Justamente, numa sociedade que promove campanhas de doações, que apregoa a pluralidade, a inserção de todos, onde está o acerto e o erro? Como se identifica o Bem? Se impossível a partir de conceitos abstratos, que o seja pelas consequências. Ao desprezar o intocável mistério existente em todo ser humano, independente de sua aparente normalidade ou de seu estágio de desenvolvimento, corre-se o risco de se considerar perfeitamente ético matar crianças como se defende no artigo citado no início.

A Bioética Personalista afirma, portanto, toda dor física deve ser aliviada, e que o alívio da dor psicológica e existencial é aliviada quando a todo sofrimento inevitável, se dá a oportunidade de descoberta de sentido. 

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