Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Marcelo Musa Cavallari é escritor,
tradutor e jornalista especializado em assuntos internacionais. Traduziu “O
Livro da Vida de Santa Teresa D’Ávila” para a Companhia das Letras e escreveu
“Catolicismo”, para a Editora Bella.
O prêmio Nobel de Economia de 2017 foi para Richard Thaler,
um economista americano que, junto com o filósofo do direito Cass Sunstein,
advoga o que eles chamam de “paternalismo libertário.” A ideia é deixar as
escolhas com as pessoas - daí o libertário - mas “guiando-as” para o próprio
bem de quem escolhe - donde o “paternalismo”.
Thaler é um dos pais da economia comportamental que, ao
contrário do que diz a economia clássica, afirma que o homem, em suas
interações econômicas, não é puramente racional. Influenciam suas escolhas todo
tipo de sentimento, hábito, mania. Para restringir seu campo e torná-lo mais
inteligível, a economia clássica criou a ficção do homo economicus
puramente racional que busca sempre a melhor relação custo/benefício.
Thaler quer pôr de volta na equação a totalidade da escolha
humana. O problema é que esse é exatamente o campo em que se dão as questões
morais. Só pode ser certo ou errado moralmente, só pode ser pecado, aquilo que
é passível de escolha. “Com base em descobertas bem estabelecidas da ciência
social, mostramos que, em muitos casos, os indivíduos fazem escolhas bem ruins,”
escrevem Thaler e Sunstein no livro Nudge. “Escolhas que eles não teriam
feito se tivessem prestado completa atenção e possuíssem informação completa,
habilidades cognitivas ilimitadas e completo auto-controle.” Thaler propõe, com
a ajuda da psicologia e das ciências sociais, uma “arquitetura da escolha”,
como ele mesmo a chama, capaz de “dirigir as escolhas das pessoas em direções
que vão melhorar as vidas delas”.
Que nós fazemos escolhas ruins é uma obviedade. A teologia
nos ensina que, depois da Queda, não temos completo autocontrole. Informação
completa é algo que só cabe à mente de Deus. Não a temos nem como indivíduos
nem coletivamente.
Thaler acredita que instituições privadas ou governos
deveriam dar “empurrões”, tradução possível de nudge, para pessoas escolherem
o que é melhor para elas. Pensa, portanto, que essas instituições ou governos
têm informação completa e capacidades cognitivas ilimitadas para saber qual
escolha as pessoas devem fazer para chegar aonde devem ir. E para saber aonde é
que elas devem ir. Ser aquilo que se deveria ser, chegar aonde se deveria
chegar, é a definição de felicidade de Aristóteles. A “arquitetura da escolha”
faz as vezes de autocontrole e livre-arbítrio, na ideia de Thaler. A felicidade
que ele concebe, portanto, no fundo não precisa da mais humana das
características, a razão. Uma pessoa não precisa saber aonde vai nem por que
escolheu o melhor caminho. Precisa apenas escolhê-lo e ir.
Evidentemente um tal conceito de felicidade, uma felicidade
ao alcance de instituições privadas e governamentais, só funciona numa
concepção que exclui qualquer transcendência, qualquer significado último da
vida.
“Felizes os pobres em espírito, porque verão a Deus” diz
Jesus no Sermão da Montanha. Ninguém verá Deus graças a uma “arquitetura da
escolha”. Ao abandonar o mais modesto conceito de homo economicus, a
economia comportamental leva a economia moderna de volta ao campo da filosofia
moral da qual veio pouco a pouco se desligando desde Adam Smith. Volta, porém, sem
filosofia nem moral, levando em conta apenas dados empíricos e descritivos de ciências
e uma tecnologia social preocupada só com resultados. Não importa que os resultados
sejam bons. Judas queria que a pecadora arrependida não usasse o unguento como
gesto de reconhecimento de que, diante de Jesus, estava vendo Deus. Gostaria,
talvez, de ter dirigido a escolha dela numa direção melhor para ela e para os
outros: que o perfume fosse vendido e o dinheiro dado aos pobres. O resto é
história.
Jornal "O São Paulo", edição 3175, 15 a 22 de
novembro de 2017.
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