Pe. Alfredo J. Jonçalves, CS
Há exatos 130 anos, em 1887, o Bem-aventurado Dom J. B.
Scalabrini, bispo de Piacenza, norte da Itália, fundava a Congregação dos
Missionários de São Carlos (Scalabrinianos). Quatro anos depois, em 1891, o
então Papa Leão XIII publicava a Carta Encíclica Rerum Novarum, documento
inaugural da Doutrina Social da Igreja. E outros quatro anos após, em 1895, o
Bem-aventurado Dom Scalabrini, juntamente com a Bem-aventurada Madre Assunta e
seu irmão, o servo de Deus Pwe. José Marchetti, fundavam a Congregação das Irmãs
Missionárias de São Carlos (Scalabrinianas).
Essas três datas – 1887, 1891 e 1895 – fazem parte de um
grande despertar da Igreja para com a condição socioeconômica e política das
pessoas. Estamos no final do século XIX, século do movimento, segundo alguns
historiadores. Movimento de pessoas e de novas máquinas, em pleno auge da
Revolução Industrial. Esta, com efeito, traz avanços tecnológicos e revoluciona
a visão da própria existência. Mas também abre feridas, desloca multidões e,
numa grande onda de urbanização, provoca bolsões de pobreza nas cidades. Daí o
nascimento de várias Congregações de caráter apostólico, sobretudo na segunda
metade do século.
Juntando as figuras do Papa Leão XIII e do Bem-aventurado J.
B. Scalabrini, constata-se algo que é muito mais do que uma mera coincidência.
Ao novo despertar da Igreja para com a “questão social”, tema da Rerum Novarum,
corresponde o despertar de Dom Scalabrini para com os emigrantes que, em massa,
deixavam a Europa. Sensibilidade em dupla dimensão: enquanto o Papa se preocupa
com a condição dos operários nas fábricas emergentes, o bispo de Piacenza
solidariza-se com aqueles que sequer conseguiam emprego em seus países. Por
isso, são obrigados a cruzar os mares em busca de novas oportunidades nas
Américas. De 1820 a 1920, mais de 60 milhões de pessoas saem da Europa.
Em outras palavras, a intuição de Dom Scalabrini pela
acolhida e solicitude para com os migrantes e prófugos nasce no interior da nova
solicitudade pastoral da Igreja diante da condição concreta em que viviam os
trabalhadores e trabalhadoras, devido às turbulências da Revolução Industrial. Disso
resulta que a precupação sistemática da Igreja sobre a “doutrina social”, por
um lado, e aquilo que se poderia chamar de “Pastoral dos migrantes”, por outro,
são irmãs gêmeas.
São tempos que se abrem aos novos desafios da sociedade
moderna, preanunciando o Concílio Vaticano II. Hoje, porém, passados 130 anos,
as migrações tornaram-se mais intensas, mais complexas e mais diversificadas. Novos
rostos passam a fazer parte dos fluxos migratórios. O fenômeno envolve
atualmente quase todos os países do planeta, como lugares de origem, lugares de
destino ou lugares de passagem – quando não os três ao mesmo tempo. A ONU
estima em mais de 230 milhões o número de pessoas que vivem e trabalham fora do
país em que nasceram, e em cerca de 25 milhões o número de refugiados.
Daí a insistência do Papa Francisco para com a abertura do
coração, das portas e das fronteiras aos migrantes, prófugos e refugiados.
“Construir pontes e não muros”, repete o pontífice diante das pessoas, das
nações e dos meios de comunicação social. Ao por-se a caminho, os migrantes
fazem marchar a história e a Igreja. Interpelam-nos a sair fora de si mesmos,
de casa ou da sacristia. Através deles, o profeta itinerantes de Nazaré, nos
chama igualmente ao caminho. tornar-se discípulos-missionários no universo dos
migrantes, levando-lhes “o sorriso da pátria e o conforto da fé”, como lembrava
Scalabrini.
Jornal "O São Paulo", edição 3176, 23 a 28 de
novembro de 2017.
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