Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Como o ser humano é intrinsecamente livre e sujeito à contradição,
“não fazendo o bem que quer, mas sim o mal que não quer” (cf. Rm 7, 19), suas
instituições estão permanentemente em maior ou menor dificuldade. Com a família
não é diferente. Pelo contrário, sendo a mais constitutiva e mais intima de
nossa humanidade, é uma das que mais sofrem com as contradições e imperfeições
nascidas da nossa liberdade.
Contudo, alguns contextos sociais são mais favoráveis
ao fortalecimento das famílias e outros menos favoráveis – ou até mesmo hostis
a elas. Não é preciso observar com muita atenção para perceber que a família,
em nossa sociedade atual, encontra muitas dificuldades para se manter unida e
capaz de cumprir sua missão.
Essa situação das famílias não deixa de ser paradoxal.
Na teoria, no ocidente, ao longo do século XX, floresceu a liberdade para amar,
a possibilidade dos jovens escolherem seus cônjuges cresceu, houve o
reconhecimento de uma série de direitos sociais que deveriam melhorar a vida
das famílias mais pobres. Na prática, a liberdade no campo afetivo não veio
acompanhada do discernimento necessário para usá-la bem. Apesar do reconhecimento
dos direitos, a jornada de trabalho dos pais continua excessiva e estafante e a
fragmentação do tecido social enfraqueceu as famílias extensas e as comunidades
tradicionais, deixando as crianças e os jovens mais solitários e desamparados.
Quem estuda os documentos recentes do magistério sobre
esse tema, como a Familiaris consortio
(1981), de São João Paulo II, o relatório do Sínodo dos Bispos, A vocação e a missão da família na Igreja e
no mundo contemporâneo (2015) ou Amoris
laetitia (2016), do Papa Francisco, encontra tanto reflexões sobre a
natureza desses problemas quanto indicações de soluções possíveis.
Nesse contexto, algumas reações à “ideologia de
gênero”, ainda que justas e necessárias, correm o risco de se tornar um esforço
para “enxugar gelo”: combatem as consequências de um processo de
desestruturação da família e da personalidade, sem atacar de modo efetivo suas
causas.
É inadmissível, por exemplo, a difusão de cartilhas
que em nome de uma educação sexual liberal destroem a percepção da natureza
intima da pessoa ou do vínculo indissociável entre a sexualidade e o amor.
Contudo, é necessário reconhecer que grande parte das famílias já não têm
critérios de discernimento claros nessas questões ou não sabem como transmitir
seus valores para seus filhos. As
escolas são espaços de sociabilização e amadurecimento inevitáveis para os
crianças e jovens – sua omissão no processo educativo pode levar a coisas ainda
piores, como a absorção indiscriminada de valores e comportamentos divulgados
pela mídia ou adquiridos “na rua”. Uma solução consistente passa, portanto,
pela produção e ampla difusão de materiais formativos adequados, baseados nas
características fundamentais da natureza humana e no vínculo entre amor e
sexualidade.
Hoje, mais do que nunca, é necessário que as famílias
sejam propositivas, capazes de apresentar os valores que as animam a seus
filhos e amigos – não como normas que inibem a liberdade, mas como vias que
levam à plena realização e felicidade da pessoa.
Para isso, as comunidades têm um papel fundamental. A
família sozinha dificilmente consegue enfrentar a avalanche representada pelas
ideologias e visões de mundo difundidas nas mídias, pelo distanciamento entre
pais e filhos imposto pelo ritmo de trabalho em nossa sociedade.
Jornal "O São
Paulo", edição 3173, 1o a 7 de novembro de 2017.
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