Ivanaldo Santos é doutor em filosofia
e professor do Departamento de Filosofia do Programa de Pós-Graduação em Letras
da UERN.
A cidadania tem início com a experiência da democracia na
Grécia antiga. Depois dos gregos, a cidadania passa pela Idade Média, com as
experiências dos construtores e dos conselhos paroquiais, para, após a
revolução francesa, chegar à modernidade. Mas, entre os gregos antigos e a
Idade Média a cidadania foi uma experiência de minorias, uma ilha dentro da
realidade social. Na modernidade a cidadania ganha dimensão universal, chega a
todos os grupos sócias, atinge ampla parcela da população.
Ela ajudou uma parcela considerável da população a
participar da vida pública e da política, a ter acesso aos bens socioculturais
produzidos ao longo da história. No entanto, a partir do período do pós-Segunda
Guerra Mundial a cidadania moderna, produto, em grande medida, do iluminismo e
da revolução francesa, passa a demonstrar sinais de cansaço, de exaustão. A
cidadania, que antes empolgava os jovens e levava a participar da vida pública,
passou a ser, em muitos ambientes, um mero conceito vazio, um conceito
histórico. Parafraseando o filósofo Isaiah Berlin, é como se a cidadania
tivesse entrado na sua pior fase, ou seja, virado apenas um capítulo no livro
da história.
Esse percurso levou à ideia de que a cidadania está em crise
e, necessita ser revisitada, revigorada.
O problema é que as primeiras décadas do século XXI apenas acentuaram o seu
sentido de crise interna. Por toda parte vê-se ambientes de crise (crise
econômica, crise dos refugiados, crise institucional, etc.) e não se fala numa
postura positiva, empolgante em torno da cidadania.
Será que vivemos a morte da cidadania moderna? É muito cedo para afirmar que ela está
morrendo. No entanto, existe uma crescente consciência que é necessário
reformar, fortalecer e ampliar o conceito e a noção de cidadania. Só assim será
possível, dentro do plano legal e público, enfrentar os graves desafios
enfrentados pelo mundo contemporâneo.
Um dos históricos problemas implantados pela cidadania
moderna é que, desde o século XVIII, ela é essencialmente política. Com isso, o
discurso e as práticas religiosas, incluindo o cristianismo, são percebidos como
não integrantes da cidadania. Com isso, não se torna antirreligiosa, mas também
não possui um forte engajamento e o enraizamento dentro das religiões.
Dentro do processo de repensar e ampliar a cidadania é
necessário rever o papel das religiões na construção e efetivação do processo
citadino. Não se trata de reduzir a cidadania a pregação religiosa ou então, de
forma artificial, ficar procurando passagens nos Evangelhos que deem
sustentação a alguma política de incentivo a cidadania. Pelo contrário, se trata,
de um lado, de reconhecer o valor universal da fé e que, para resolver os
graves problemas contemporâneos, é necessário uma postura de integração da
religião dentro da cidadania. Do outro lado, é necessário reconhecer que o
Evangelho tem muito a contribuir para a ampliação da cidadania. O Evangelho
anuncia o “novo homem, fazendo a paz," (Ef 2, 15), um homem que, guiado
por Deus, poderá fazer “novas todas as coisas" (Ap 21, 5). Além disso,
anuncia o fim último do processo de cidadania, o qual é um lugar onde “não
haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor” (Ap 21, 4). A crise da
cidadania passa pela ampliação dos espaços da vida pública. Neste sentido, o
Evangelho tem muito a contribuir com a solução dessa crise.
Jornal "O São Paulo", edição 3173, 1o a
7 de novembro de 2017.
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