Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke é membro do Movimento
dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade
Nova.
O Ano do Laicato, proclamado pela CNBB, pode vir a ser para
os cristãos leigos um tempo favorável nos tempos que vivemos.
Chamados a ser sal da terra e luz justamente nesse mundo
mergulhado na “noite” da mudança de época, aquele da pós-modernidade, da
pós-humanidade, do pós-capitalismo, do pós-cristianismo, da pós-verdade…, eles podem
oferecer a concepção do ser humano como pessoa em relação – consigo mesma, com
seu semelhante, com Deus, com a natureza e com as coisas -, em muito diferente
do hiperindivíduo, do homo œconomicus
ou do homo consumans. Podem igualmente oferecer uma concepção das relações
humanas como dádiva, possibilitando a superação das relações como dominação e
exclusão.
Tais concepções, enraizadas no Evangelho e desdobradas no
riquíssimo patrimônio do Magistério da Igreja, requerem uma mediação, uma
atualização e uma aplicação no pensamento e na prática política, econômica,
social, educacional, artística, cultural, comunicacional… Enfim, nos inúmeros
“areópagos modernos”, como apontam nossos Pastores no documento nº 105 sobre o
laicato, de imprescindível leitura.
Essa operação não está dada de uma vez por todas. Requer,
antes de tudo, mística e sabedoria, e depois, estudo, elaboração, crítica, ação.
Uma das maneiras de isso ser dar é mediante o diálogo. Numa “direção” “interna”
e noutra “externa” (verso e reverso de uma mesma atitude).
“Internamente”, entre os cristãos – em sua diversidade de
carismas, espiritualidades, sensibilidades, linhas de pensamento - no exercício
do discernimento dos “sinais dos tempos” e de como aplicar os princípios
cristãos na realidade atual, caracterizada pela complexidade. Tal atitude
dialógica possui um enorme potencial de testemunho daquele amor mútuo que
caracteriza os discípulos de Jesus (cf. Jo 13,35) e de ser “espaço” para Deus
realizar aquela unidade “a fim que o mundo creia” (cf. Jo 17,21).
“Externamente”, com a sociedade contemporânea, em sua profusão
de referenciais teóricos e narrativas. Expressão da Igreja em saída, tal
diálogo requer a consciência de não sermos os possuidores da verdade (pois é a
Verdade que nos possui) e, assim, colocarmo-nos com os outros na descoberta
dela, verdade que não é relativa, mas relacional, ou seja, compreendida na
relação, inclusive com quem não partilha de nossos princípios.
O diálogo postula algumas posturas norteadas pelo amor. Antes
de tudo, o reconhecimento da dignidade e do valor do outro, dando um voto de
confiança em sua boa-fé, ainda que seu pensamento e suas atitudes nos deixem
perplexos, com a certeza de que todos têm algo a doar, possuem, de alguma
forma, “sementes do Verbo” a serem comunicadas.
Uma segunda atitude é escutar o outro sem filtros de
esquemas pré-concebidos (muito menos demonizando-o a priori), buscando
compreender seu ponto de vista com abertura, profundidade e sinceridade.
Uma terceira atitude é, então, apresentar a própria razão,
de maneira embasada e competente, mas com humildade, como quem oferece um
presente, sem querer persuadir. Trata-se do “respeitoso anúncio” (João Paulo
II).
Uma quarta atitude é ter um pensamento incompleto
(Francisco), que se traduz no encanto de aprender do outro e com o outro algo
de novo, de se deixar surpreender com as novas verdades compreendidas.
Se a noite de nosso tempo nos faz temer e talvez nos fechar nas
barricadas de nossas certezas, quem sabe a saída para o diálogo não contribua
para antecipar a madrugada daquele tempo novo anunciado por Jesus…
Jornal "O São Paulo", edição 3184, 31 de janeiro a
6 de fevereiro de 2018.
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