quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Modelos econômicos e a concepção negativa do ser humano


Rafael Mahfoud Marcoccia é professor do Centro Universitário FEI.

No passado, mas também no presente, muitos países atribuíram um papel importante ao Estado, tanto no campo social como no econômico, seguindo um paradigma de conflito, no qual as atividades particulares são opostas aos interesses públicos, marginalizando as iniciativas da sociedade civil com base na desconfiança e suspeita.
Esses sentimentos são, por sua vez, consequência de uma concepção negativa do ser humano. Afinal, um papel importante demais atribuído ao Estado tende a amortecer a capacidade humana e a frear as contribuições positivas que indivíduos isolados podem dar para o progresso, para a justiça e para o bem comum. De acordo com Thomas Hobbes, essa concepção negativa torna necessário delinear um contrato social a fim de contra-atacar os relacionamentos belicistas entre um homem e outro no “estado da natureza”; essa antropologia negativa é também a base de certas ideias do Estado de bem-estar social. Porém, a globalização erodiu gradativamente a viabilidade de alcançar uma sociedade por meio do Leviatã. O nível de complexidade social é alto demais, e não pode ser reduzido eficazmente pela coerção de seus membros em qualquer situação que seja.
As tentativas obstinadas de seguir um modelo ultrapassado de bem-estar social colocam em risco conquistas mais significativas e mais preciosas, principalmente aquelas que se referem justamente ao conceito de bem-estar: a universalidade, o respeito pelo indivíduo e a igualdade de tratamento em termos de padrões mínimos garantidos, qualidade e quantidade de serviço. Em um sistema que não recompensa o livre arbítrio e a responsabilidade dos usuários, as pessoas com baixa renda e nível educacional inferior são menos capazes de aproveitar os serviços de maneira adequada, enquanto as pessoas com alta renda e um nível educacional superior encontram menos dificuldades para descobrir maneiras de superar o rigor e a uniformidade do sistema.
Ainda que aparentemente contrário à lógica hobbesiana, o liberalismo neoclássico vê as funções da sociedade civil à luz da mesma antropologia negativa. Essa perspectiva se baseia no pressuposto de um indivíduo puramente egoísta que responde exclusivamente às motivações econômicas, seja ao desempenhar uma tarefa designada por um superior ou ao conduzir um projeto particular. Essa abordagem não considera a possibilidade de uma aspiração ou de um critério baseado em ideais nem a oportunidade de se estabelecer associações capazes de contribuir de maneira positiva para o bem comum, além dos interesses particulares de um grupo específico de pessoas.
O bem-estar social e o liberalismo neoclássico diferem em relação ao mecanismo mais indicado para corrigir o mal causado pelo comportamento humano. O Estado de bem-estar associa esse mecanismo à ação do poder central. O liberalismo, por sua vez, o identifica no mercado, onde os esforços individuais com interesses particulares são coordenados pela “mão invisível” em direção a um resultado eficiente, mas não necessariamente igualitário - uma das dimensões típicas dessa visão de mundo é o conceito darwiniano de sociedade, caracterizado pela sobrevivência do mais apto.
Tanto a concepção estadista como a liberal sobre o Estado e o mercado só podem ser desafiadas eficazmente começando-se a entender os seres humanos. A Doutrina Social da Igreja nos indica um caminho, ao qual dediquei o artigo “Antropologia positiva: berço da sociabilidade
 Jornal "O São Paulo", edição 3185, 7 a 13 de fevereiro de 2018.

Nenhum comentário:

Postar um comentário