Rafael Mahfoud Marcoccia é professor
do Centro Universitário FEI.
No passado, mas também no presente, muitos países atribuíram
um papel importante ao Estado, tanto no campo social como no econômico,
seguindo um paradigma de conflito, no
qual as atividades particulares são opostas aos interesses públicos,
marginalizando as iniciativas da sociedade civil com base na desconfiança e
suspeita.
Esses sentimentos são, por sua vez, consequência de uma
concepção negativa do ser humano. Afinal, um papel importante demais atribuído
ao Estado tende a amortecer a capacidade humana e a frear as contribuições
positivas que indivíduos isolados podem dar para o progresso, para a justiça e
para o bem comum. De acordo com Thomas Hobbes, essa concepção negativa torna
necessário delinear um contrato social a fim de contra-atacar os
relacionamentos belicistas entre um homem e outro no “estado da natureza”; essa
antropologia negativa é também a base
de certas ideias do Estado de bem-estar social. Porém, a globalização erodiu
gradativamente a viabilidade de alcançar uma sociedade por meio do Leviatã. O
nível de complexidade social é alto demais, e não pode ser reduzido eficazmente
pela coerção de seus membros em qualquer situação que seja.
As tentativas obstinadas de seguir um modelo ultrapassado de
bem-estar social colocam em risco conquistas mais significativas e mais
preciosas, principalmente aquelas que se referem justamente ao conceito de
bem-estar: a universalidade, o respeito pelo indivíduo e a igualdade de
tratamento em termos de padrões mínimos garantidos, qualidade e quantidade de
serviço. Em um sistema que não recompensa o livre arbítrio e a responsabilidade
dos usuários, as pessoas com baixa renda e nível educacional inferior são menos
capazes de aproveitar os serviços de maneira adequada, enquanto as pessoas com
alta renda e um nível educacional superior encontram menos dificuldades para
descobrir maneiras de superar o rigor e a uniformidade do sistema.
Ainda que aparentemente contrário à lógica hobbesiana, o
liberalismo neoclássico vê as funções da sociedade civil à luz da mesma
antropologia negativa. Essa perspectiva se baseia no pressuposto de um
indivíduo puramente egoísta que responde exclusivamente às motivações
econômicas, seja ao desempenhar uma tarefa designada por um superior ou ao conduzir
um projeto particular. Essa abordagem não considera a possibilidade de uma
aspiração ou de um critério baseado em ideais nem a oportunidade de se estabelecer
associações capazes de contribuir de maneira positiva para o bem comum, além
dos interesses particulares de um grupo específico de pessoas.
O bem-estar social e o liberalismo neoclássico diferem em
relação ao mecanismo mais indicado para corrigir o mal causado pelo
comportamento humano. O Estado de bem-estar associa esse mecanismo à ação do
poder central. O liberalismo, por sua vez, o identifica no mercado, onde os
esforços individuais com interesses particulares são coordenados pela “mão
invisível” em direção a um resultado eficiente, mas não necessariamente igualitário
- uma das dimensões típicas dessa visão de mundo é o conceito darwiniano de sociedade,
caracterizado pela sobrevivência do mais apto.
Tanto a concepção estadista como a liberal sobre o Estado e
o mercado só podem ser desafiadas eficazmente começando-se a entender os seres
humanos. A Doutrina Social da Igreja nos indica um caminho, ao qual dediquei o
artigo “Antropologia
positiva: berço da sociabilidade”
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