Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Em 2017, um furacão se abateu sobre os meios
cinematográficos norte-americanos, com uma série de denúncias de assédio sexual
e até estupros sofridos por atrizes famosas, culminado na criação da hashtag
#MeToo e do movimento Time’s Up.
No início de 2018, um grupo de personalidades femininas
francesas publicou um manifesto indo, de certa forma, no sentido contrário:
reconhecem a necessidade de combater o estupro e a violência sexual, mas
acreditam que o movimento norte-americano tem uma tendência puritana que levaria
à condenação dos jogos de sedução e da liberdade sexual, além de injustiçar
muitos homens.
Como se baseiam em problemas reais, alguma razão os dois
lados têm. Mas se levados ao extremo acarretam numa distorção do bem e da
verdade.
Enquanto isso, na vida cotidiana, vai se impondo um novo
código de conduta, com maior respeito à mulher, mas que parece inibir também o
que seria uma justa liberdade e manifestação de afeto entre amigos de sexos
diferentes.
Em tudo isso, onde está o justo equilíbrio?
Nossa dificuldade está em perdemos tanto a visão integral
quanto o real valor das relações afetivo-sexuais. Quem quiser se posicionar,
nessa questão, a partir dessa integralidade e desse valor, encontrará um
subsídio precioso – talvez inesperado – na reflexão ética de São João Paulo II,
particularmente emTeologia do Corpo. O
amor humano no plano divino (Campinas: Ed. Ecclesiae, 2014). Sua intenção,
nesse campo, era ajudar as pessoas, fosse qual fosse sua crença, a descobrir e
aprofundar o sentido da própria vivência afetivo-sexual.
Partindo do Gênesis, Wojtila mostra que o pudor exprime a
nossa consciência de termos uma intimidade que deve permanecer inviolada e que
o sinal mais explícito de um amor verdadeiro é a doação dessa intimidade ao
outro. Não se trata de uma afirmação
“confessional”, mas de uma experiência que é compartilhada e pode ser
compreendida por todos. Também não se reduz a ter mais ou menos pele exposta.
Um índio poderá andar nu, mas nem por isso deixará de ter as suas manifestações
de pudor – por mais diferentes que sejam das nossas.
Sempre que os comportamentos sociais perdem a referência a
esse necessário pudor, a dignidade humana vem ultrajada. Contudo, não basta
estabelecer limites. Essa intimidade não existe só para si, essa dignidade não
se exprime de modo satisfatório enquanto não se realiza plenamente no dom de si
ao outro.
Os limites não existem para nos fechar ao dom de si, mas
para orientar nossa doação, de modo que doador e receptor saibam agir com
respeito e reciprocidade diante da grandeza do gesto (pois o ser humano não
pode fazer nada maior e mais digno que doar-se, por amor, ao outro).
Jogos de sedução e demonstrações de afeto têm a função de
nos educar e nos ajudar a viver adequadamente essa experiência de doação, em
suas várias modalidades e gradações. Quando isso se perde, nos tornamos vítimas
de uma inaceitável violência, principalmente contra as mulheres, ou de uma vida
afetivo-sexual que não satisfaz plenamente, pois cada um se fecha em si mesmo,
sem perceber que sua dignidade se realiza na doação amorosa a um outro.
Num momento em que a sociedade repensa limites e
comportamentos no campo afetivo-sexual, mais importante do que atacar ou
defender um lado é, seguindo São João Paulo II, redescobrir o sentido mais
verdadeiro e humano da nossa experiência. Pois, como afirma Bento XVI na Spe salvi (Nº 24-25) no campo da ética a
verdade deve ser redescoberta a cada geração
Jornal "O São Paulo", edição 3182, 17 a 23 de janeiro
de 2018.
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