Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
“Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo
encarnado se esclarece verdadeiramente... Cristo, novo Adão, na própria
revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e
descobre-lhe sua vocação sublime” ( Gaudium et Spes , 22). Essa afirmação tem
um alcance enorme no diálogo entre a comunidade cristã e a cultura
contemporânea.
A Doutrina Social da Igreja se baseia no que o magistério chama de “lei
natural”, que nada mais é do que o reconhecimento da natureza humana em sua integralidade
e profundidade. Por nossa natureza, existem coisas que nos fazem bem e coisas
que nos fazem mal, tanto em nosso íntimo (e daí decorrem os princípios da moral
privada) quanto na organização da sociedade (de onde decorrem os princípios da
organização da sociedade com vistas ao bem comum).
Assim, essas reflexões da Igreja – sejam elas sociopolíticas ou ligadas à
ética privada, às relações afetivas e à sexualidade – não são confessionais,
isso é, não são válidas apenas para os que compartilham a fé católica, mas para
todos os seres humanos. Por exemplo, a dignidade absoluta da pessoa humana, tal
como defendida pela Doutrina Social da Igreja, é um dado reconhecível por todos
os seres humanos, independentemente de suas crenças religiosas, enquanto a
presença misteriosa de Cristo no sacramento da Eucaristia é um dado de fé, que
não é evidente para quem não é católico.
Em questões de ordem moral ou social, a força do diálogo dos católicos com
o mundo laico depende, portanto, do quanto deixamos que a revelação da natureza
humana, realizada por Cristo, nos auxilie a compreender e acolher os problemas
das pessoas concretas e ajudá-las a superar esses problemas. Não se trata de
posições ideológicas mais ou menos certas, mas de uma inteligência iluminada pela
descoberta do amor infinito de Deus por cada um de nós.
Por outro lado, também temos que reconhecer que não chegamos às posições
que temos porque somos mais inteligentes ou sábios que os demais. Basta
olharmos em volta, para nossos amigos e parentes, e nos perguntarmos: se não
tivéssemos conhecido a Cristo, como agiríamos e nos posicionaríamos, em termos
afetivos, morais, sociais e políticos? A maioria de nós, provavelmente, agiria
de forma bem diferente da que age, pois seguiríamos a mentalidade dominante e
os lugares comuns de nossa cultura.
É o encontro com Cristo que nos faz diferentes, no agir e no pensar. A
realidade é sempre desafiadora e incomoda, e precisamos sentir a segurança de
um amor gratuito para podermos compreender, sem ideologias ou preconceitos, a
nós e ao mundo.
Por isso, no diálogo com a cultura de nosso tempo, temos que considerar
que não queremos defender a “nossa posição”, mas a verdade que faz bem a todos;
reconhecermos que não são nossos argumentos – por mais justos que sejam –, mas
a força do amor que ajudará nossos irmãos a compreenderem essa verdade.
Jornal "O São Paulo", edição 3183, 24 a 30 de janeiro
de 2018.
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