Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
José Ulisses Leva é padre secular, doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP.
A belíssima mistagogia da nossa Igreja é alicerçada sobre as
Verdades dos Mistérios da Encarnação e da Ressurreição. Do nascer ao acaso da
vida somos presenteados pela narrativa do nascimento do Verbo de Deus e Sua
gloriosa Páscoa, que nos remete à eternidade.
A natureza se manifesta exuberante no período. A Campanha da
Fraternidade deste ano nos lembra que devemos “Cultivar e guardar a criação”
(Gn 2, 15). A criação é obra maravilhosa do Altíssimo e Onipotente Deus. “Deus,
nosso Pai e Senhor, nós vos louvamos e bendizemos por vossa infinita bondade.
Criastes o universo com sabedoria e o entregastes em nossas frágeis mãos pra
que dele cuidemos com carinho e amor” (Oração da C/F 2017). A Quaresma nos
lembra o itinerário dos últimos momentos na Terra de Cristo Jesus e marca,
profundamente, o caminho da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Recorda-nos,
também, sobretudo como Igreja no Brasil, que devemos cuidar e amar a belíssima
obra do Criador.
As pessoas que habitam no Hemisfério Norte podem meditar
profusamente o período quaresmal. Elas vivem o momento litúrgico entre as Estações
inverno/primavera. A Páscoa Cristã nos indica a passagem entre o rigoroso inverno,
sem vida, para a entrada da estação das flores e o sentido da vida que nasce resplandecente.
Vivendo no Hemisfério Sul, entre as Estações verão/outono, somos
agraciados pela natureza, quando as quaresmeiras se apresentam radiantes,
combinando com o paramento roxo da Igreja. Somos convidados ao jejum, à oração
e à esmola, como nos recorda a Palavra de Deus na celebração da Quarta-feira de
Cinzas. Saindo das Paróquias e Capelas somos lembrados pela natureza, que nos
ajuda a refletirmos sobre o período litúrgico atual.
Apreciando a natureza, especialmente a Mata Atlântica, que
cobre boa parte do Estado de São Paulo, como homens e mulheres, crentes ou não
crentes, percebemos Deus nos falando na explosão das cores e cercando-nos de
carinho na majestosa criação. Como cristãos, ligamos a ação litúrgica da Igreja
com o colorido das árvores, especialmente quaresmeiras e manacás. Quantos que
não professam a Fé em Cristo Jesus também podem observar algo diferente nas
cores emanadas das árvores, mormente na tonalidade roxa, que enfeita nossas
praças, parques e avenidas.
A celebração da Quarta-feira de Cinzas lembrou-nos da nossa
efêmera vida, sem a proteção e o carinho de Deus. Por isso recordou-nos:
“Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no
Evangelho” (Mc 1, 15).
Lemos, no Livro do Gênesis, que somos feitos do barro e necessitamos
do sopro divino para existirmos: “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra,
soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente” (Gn
2, 7). O barro é apenas barro. Deus criou-nos do pó da terra com o sopro
divino. Somos seres viventes em Deus.
O oleiro trabalha o barro, prepara a sua obra de arte, e a
entrega inanimada, enquanto Deus infla o sopro divino nas nossas narinas e nós
ganhamos a possibilidade de viver consciente e plenamente.
Deus estabeleceu a relação de amor entre Ele e nós. Soprou
em nossas narinas o alento da vida para que respirássemos e cuidássemos uns dos
outros e de toda a Casa comum. Em tempos como o nosso, como cristãos, somos
chamados a viver e celebrar o tempo litúrgico da Quaresma, que nos prepara para
a belíssima Celebração da Páscoa. Tempo favorável, também, para lembrarmos e
cuidarmos de toda a obra da criação. Enquanto cuidamos da Terra, honramos a
Deus, respeitamos os outros e passamos a amar a nós mesmos, porque valorizamos
e somos valorizados.
Jornal "O São Paulo", edição 3143, 22 a 28 de
março de 2017.
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