segunda-feira, 13 de março de 2017

Doutrina Social da Igreja e teoria econômica: já na Idade Média

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Antonio Carlos Alves dos Santos é professor titular de Economia na Faculdade da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Os estudos sobre o período medieval avançaram bastante no século passado e aos poucos emerge um cenário intelectual bem diferente daquele cantado em verso e prosa desde o Renascimento, de Idade das Trevas e de obscurantismo. Esta visão equivocada, infelizmente ainda é forte no imaginário popular (até mesmo entre as chamadas pessoas informadas) e por isso sempre se causa surpresa quando se fala das contribuições, no século XIII, dos frades franciscanos aos rudimentos da teoria econômica.
O ponto de partida era, naturalmente, a questão da usura, que ganhou grande importância com a retomada da atividade comercial e com o crescimento da vida urbana, principalmente na região da Toscana, na Itália. Não se tratava de mera questão teórica, mas de demanda colocada pelo homem de negócios que procurava compatibilizar as suas atividades econômicas com a teologia moral católica: juros, câmbio, preço justo, crédito, lucro eram os tópicos mais importantes.
A grande figura do período foi o frade franciscano Pedro João Olivi (1248-1298), que respondeu às demandas dos homens de negócios da época a partir da centralidade do conceito de bem-comum, o bem que expressa as relações entre as pessoas; e da ênfase no objetivo do agir do agente econômico como critério a ser usado para avaliar a moralidade do ato por ele praticado.
Ancorado nestes conceitos, ele apresenta uma leitura genial do conceito de capital, separando o ente dinheiro (cuja função é simplesmente o seu acúmulo a partir da obtenção de renda e que, portanto, era capital usurário) do capital semente (que tem em si a semente do lucro, e que seria o capital produtivo moderno). O capital semente é moralmente justificado por propiciar uma oferta maior de bens à comunidade, o que aumenta o seu bem-estar. O elemento central é, como já mencionado, o objetivo do agir do agente: o lucro, assim como o crédito, não é um fim em si mesmo, mas um meio, para se alcançar o bem comum.
Outra contribuição importante do Olivi foi a sua explicação de como se determina valor de um bem: a complacitas, é o componente subjetivo, do lado da demanda, enquanto os componentes objetivos, lado da oferta, são a raritas, escassez, e a difficultas, o custo de produção. Em outras palavras, a velha e conhecida oferta e demanda que ganhará seu formato atual com a revolução marginalista/neoclássica de 1870. Não deixa de ser irônico, já que esta linha de pensamento econômico é fortemente criticada por ser, segundo seus críticos, a chamada economia burguesa.
Esta linha de pensamento terá prosseguimento com os trabalhos do franciscano São Bernardino de Siena (1380-1444) e do dominicano Santo Antonino de Florença (1389-1459) e atingirá seu apogeu com a chamada Escola de Salamanca, que apresenta importantes contribuições no campo da teoria monetária e será objeto de um outro artigo.
Os trabalhos desses autores sugerem que a tese, de raiz weberiana, que o catolicismo seria inimigo da economia de mercado é exagerada, sendo mais adequado argumentar que a visão católica é mais rica e variada do que se imagina e comporta uma visão de mercado que se aproxima do modelo moderno de economia social de mercado com alguns elementos da socialdemocracia, como podemos inferir do pensamento do Papa Emérito Bento XVI e do Papa Francisco.
Jornal "O São Paulo", edição 3141, 8 a 14 de março de 2017

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