Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Antonio Carlos Alves dos Santos é professor titular de Economia na Faculdade da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Os estudos sobre o período medieval avançaram bastante no século passado e aos poucos emerge um cenário intelectual bem diferente daquele cantado em verso e prosa desde o Renascimento, de Idade das Trevas e de obscurantismo. Esta visão equivocada, infelizmente ainda é forte no imaginário popular (até mesmo entre as chamadas pessoas informadas) e por isso sempre se causa surpresa quando se fala das contribuições, no século XIII, dos frades franciscanos aos rudimentos da teoria econômica.
Os estudos sobre o período medieval avançaram bastante no século passado e aos poucos emerge um cenário intelectual bem diferente daquele cantado em verso e prosa desde o Renascimento, de Idade das Trevas e de obscurantismo. Esta visão equivocada, infelizmente ainda é forte no imaginário popular (até mesmo entre as chamadas pessoas informadas) e por isso sempre se causa surpresa quando se fala das contribuições, no século XIII, dos frades franciscanos aos rudimentos da teoria econômica.
O ponto de partida era, naturalmente, a questão da usura,
que ganhou grande importância com a retomada da atividade comercial e com o
crescimento da vida urbana, principalmente na região da Toscana, na Itália. Não
se tratava de mera questão teórica, mas de demanda colocada pelo homem de negócios
que procurava compatibilizar as suas atividades econômicas com a teologia moral
católica: juros, câmbio, preço justo, crédito, lucro eram os tópicos mais
importantes.
A grande figura do período foi o frade franciscano Pedro
João Olivi (1248-1298), que respondeu às demandas dos homens de negócios da
época a partir da centralidade do conceito de bem-comum, o bem que expressa as
relações entre as pessoas; e da ênfase no objetivo do agir do agente econômico
como critério a ser usado para avaliar a moralidade do ato por ele praticado.
Ancorado nestes conceitos, ele apresenta uma leitura genial
do conceito de capital, separando o ente dinheiro (cuja função é simplesmente o
seu acúmulo a partir da obtenção de renda e que, portanto, era capital usurário)
do capital semente (que tem em si a semente do lucro, e que seria o capital
produtivo moderno). O capital semente é moralmente justificado por propiciar
uma oferta maior de bens à comunidade, o que aumenta o seu bem-estar. O
elemento central é, como já mencionado, o objetivo do agir do agente: o lucro,
assim como o crédito, não é um fim em si mesmo, mas um meio, para se alcançar o
bem comum.
Outra contribuição importante do Olivi foi a sua explicação
de como se determina valor de um bem: a complacitas,
é o componente subjetivo, do lado da demanda, enquanto os componentes objetivos,
lado da oferta, são a raritas,
escassez, e a difficultas, o custo de
produção. Em outras palavras, a velha e conhecida oferta e demanda que ganhará seu
formato atual com a revolução marginalista/neoclássica de 1870. Não deixa de
ser irônico, já que esta linha de pensamento econômico é fortemente criticada por
ser, segundo seus críticos, a chamada economia burguesa.
Esta linha de pensamento terá prosseguimento com os
trabalhos do franciscano São Bernardino de Siena (1380-1444) e do dominicano
Santo Antonino de Florença (1389-1459) e atingirá seu apogeu com a chamada
Escola de Salamanca, que apresenta importantes contribuições no campo da teoria
monetária e será objeto de um outro artigo.
Os trabalhos desses autores sugerem que a tese, de raiz
weberiana, que o catolicismo seria inimigo da economia de mercado é exagerada,
sendo mais adequado argumentar que a visão católica é mais rica e variada do
que se imagina e comporta uma visão de mercado que se aproxima do modelo
moderno de economia social de mercado com alguns elementos da socialdemocracia,
como podemos inferir do pensamento do Papa Emérito Bento XVI e do Papa
Francisco.
Jornal "O São Paulo", edição 3141, 8 a 14 de março
de 2017
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