Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
Uma das chagas de nossa sociedade e nossa cidade que, de
tanto em tanto, aparece nos noticiário são as “cracolândias”. Os prefeitos e
suas equipes tomam medidas, motivados e orientados por próprios sistemas de crenças
e valores, num exercício quixotesco. Os recentes episódios envolvendo a
“cracolândia” da região da Luz suscitam algumas reflexões a respeito.
Como encaramos as “cracolândias"? Um problema que
requer urgente solução? Questão de saúde pública, de segurança, de urbanismo… (com
soluções segundo a própria perspectiva: internação, polícia, remoção)? Vem-me à
mente a experiência, narrada no livro Presença
no inferno (São Paulo: Cidade Nova, 2014), do amigo e sacerdote Renato
Chiera, de ir ao encontro dos “cracudos” no Rio de Janeiro. Experiência que não
diferirá daquela de tantos da Pastoral da Rua, da Comunidade Belém, da Fazenda
da Esperança e muitas outras…
Aprendo com ele que os drogadictos não são um problema: são
seres humanos! E que há entre eles um denominador comum: uma ferida profunda
pela falta de amor, traduzida em violências física, psicológica e simbólica perpetradas
até no seio familiar. Também aprendo que é justamente nas “cracolândias” que eles
encontram uma “família”. Ali, entre pessoas de todas as camadas sociais e
níveis de instrução – o crack é uma
droga “democrática” –, já tendo perdido tudo, amiúde até a dignidade, aceitam-se
mutuamente como são, sem críticas nem cobranças – infelizmente encontradiças
nos ambientes “de bem”.
Do que essa gente precisa, me ensina padre Renato, é que
sejam amadas, escutadas, abraçadas, que sintam que estamos com elas. Assim
amadas, também poderão vir a pedir ajuda para recomeçar a vida – que é bem mais
do que desintoxicar-se; trata-se de voltar a ser sujeito da própria existência,
trabalhar, ser cidadão, amar…
Será que o Estado dá conta dessa tarefa? Experiências como a
de Chiera mostram que lidar com situações de vulnerabilidade extrema requer uma
“alma”, uma “motivação intrínseca” – religiosa ou não. Entendo que o Estado,
instituição burocrática em sentido weberiano, não a possui (ainda que muitos
servidores públicos trabalhem motivados por uma “alma”). Por isso, creio que
organismos inspirados por valores tenham aqui um papel insubstituível.
Para os cristãos, esta alma está em reconhecer no povo da
“cracolândia” o rosto de Jesus que, na cruz, clama: “Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste?” Amam este Jesus amando os drogadictos e, amando os
drogadictos, amam Jesus.
Chiara Lubich é uma das mestras no amor a Jesus crucificado
e abandonado. Inspira-me uma sua prece: “Senhor, dá-me todos os que estão sós…
Senti no meu coração a paixão que invade o teu, por todo o abandono em que o
mundo inteiro nada. Amo todo o ser doente e só… Quem consola o seu pranto? Quem
tem pena de sua morte lenta? E quem estreita ao próprio coração o coração
desesperado? Meu Deus, faze que eu seja no mundo o sacramento tangível do teu
Amor, do teu ser Amor: que eu seja os braços teus que estreitam a si e consomem
no amor toda a solidão do mundo”.
Jornal "O São Paulo", edição 3163, 23 a 30 de
agosto 2017.
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