Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Rafael Mahfoud Marcoccia é professor do Centro Universitário da FEI, fez Doutorado sobre Doutrina Social da Igreja e é colaborador do site católico Terre d'America.
Estamos presenciando uma forte crise política no país. Mas ainda
que estejamos indignados com a situação, estamos também, em geral, passivos. Passivos
porque, se é verdade que emitimos as nossas opiniões (de forma inteligente),
cobramos as responsabilidades (como temos mesmo de fazer) e exigimos a justiça,
ao mesmo tempo assistimos aos acontecimentos da crise como se fossem uma
realidade distante de nós, sem nos reconhecermos como parte dela.
Somos parte da crise não simplesmente porque somos afetados
por ela, mas porque ela própria é fruto do nosso posicionamento. Podemos
defender ou não o atual governo, gostar ou não do atual presidente, ser de
direita ou de esquerda. Ou ainda, querer novas eleições logo ou aguardar o fim
de 2018. Mas em geral o que mais se lê na imprensa e nas redes sociais, ou se
ouve nas conversas nas ruas, nos bares com os amigos, parte da mesma premissa: depositamos
a responsabilidade de mudar a sociedade, que é de todos os que a compõem, em um
único membro, o presidente, ou, no máximo, em uma classe, a política.
Frustrados em nossas expectativas, nos encontramos
indignados e desanimados, e o discurso gira em torno de frases como “político é
tudo igual mesmo”, ou “temos que punir os culpados”, ou ainda “o Brasil não tem
jeito”. Esse discurso do momento pode carregar dois problemas: a culpa é sempre
do outro; e partir de um posicionamento que se satisfaça apenas com a punição.
Esses problemas parecem ter sua origem na nossa cultura, que
privilegia uma postura individualista. Percebemos a gravidade dos fatos, mas
nos interessamos mais pelas nossas obrigações pessoais do dia-a-dia. E a ideia
que acaba prevalecendo é a de que “tenho minha vida para levar”. Assim, colocamos
os nossos problemas individuais como sendo prioritários em relação aos sociais.
Não entendemos que os problemas sociais são igualmente relevantes também para
toda pessoa. E isso é também uma forma de corrupção. Santo Agostinho dizia que
corrupção é o coração (cor) rompido (rupto).
Há, então, níveis de corrupção. Uma corrupção em nível
político-social, como a que nós temos visto. Uma corrupção cotidiana, o
“jeitinho brasileiro”, onde são cometidas infrações aceitas e acobertadas pela
sociedade. E, por fim, uma corrupção individual, onde a pessoa abandona seus
valores e aspirações mais íntimas em função das imposições da própria dinâmica
social atual. A crença na solidariedade, ou a ideia de que ela nos levaria a
construir um mundo melhor, é substituída pelo medo da violência, pela falta de
confiança no outro, fazendo com que pensemos que apostar no ser humano é uma
postura demasiada ingênua para os dias de hoje.
Contudo, ainda que constatemos uma marca forte do
individualismo em nossa cultura e que a corrupção esteja presente tanto no
nível social quanto no pessoal, encontramos diversos exemplos de atos
verdadeiramente solidários, ou melhor, verdadeiramente sociais em nossa
cultura.
Sendo assim, o que parece razoável é pensarmos nos problemas
políticos que o país vem passando, passou e provavelmente irá passar, não de
uma maneira passiva, onde apenas se emite uma opinião ou se exige um direito
(como o da punição), mas valorizando espaços de produção de cultura real que
nos sustentem, a todos (políticos e homens comuns), em uma posição construtiva,
capaz de favorecer autocrítica e retomada contínua dos ideais.
Jornal "O São Paulo", edição 3166, 13 a 19 de setembro
de 2017.
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