Padre Alfredo José Gonçalves, CS, é Superior
Provincial da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos.
Nas últimas semanas/meses, vem mudando o cenário das
migrações no mar Mediterrâneo. A rota que faz a travessia entre a Líbia e o sul
da Itália vem sofrendo uma série de restrições. O governo italiano passa a
controlar mais de perto a travessia dos imigrantes. Além disso, vem exigindo
que as organizações não governamentais (ONGs) assinem um documento chamado
“código de conduta”, submetendo-se a tais restrições. Pelo menos uma embarcação
foi apreendida pelas forças legais italianas, enquanto um sacerdote foi acusado
de incentivar a imigração. Além disso, algumas de tais ONGs foram inclusive
acusadas de “favorecer o tráfico de imigrantes clandestinos”, segundo o noticiário
de um telejornal local. Por isso, torna-se cada vez mais comum a presença de
homens armados nos barcos que vão em socorro dos potenciais “imigrantes
náufragos”.
Do lado da Líbia, a situação não é melhor para os que buscam
um futuro mais promissor. Novos personagens entram em cena. Num país dividindo
em três governos diversos e controversos, as forças policiais estão tentando
bloquear a saída em massa dos imigrantes. Por uma parte, exigem que os barcos
estrangeiros se mantenham cada vez mais à distância da costa daquele país; por
outra, obrigou a retornar algumas embarcações apinhadas de gente que procura a
Europa. Quanto ao velho continente europeu, suas autoridades parecem respirar
mais aliviadas. Afinal de contas, na perspectiva europeia, a Itália “está
fazendo o dever de casa”.
Os resultados não se fazem esperar. A entrada de imigrantes
na Itália em julho caiu quase 50% em relação a junho, e diminui mais ainda no
decorrer de agosto. Estima-se que ao final de 2017 o número de imigrantes seja
menor que em 2016. Retida em território líbio, a população em fuga, vinda do
Sudão do Sul, Afeganistão, Guiné, Nigéria, Etiópia e Eritreia – entre ouros países – é mantida em
lugares fechados e em condições extremamente precárias. Há notícias de que
muitos passam dia e noite sobre as próprias fezes, outros são “oferecidos” como
mão-de-obra escrava. Doenças, fome e sede se alastram, golpeando especialmente
os menores e indefesos.
Convém não esquecer que a outra rota – a balcânica – também se
encontra bloqueada. Um acordo feito em 2016 entre a Europa e a Turquia mantém
os imigrantes neste último país. Isso para não falar dos muros que foram
levantados na Sérvia, Macedônia, Áustria, e assim por diante. A lógica parece
clara: primeiro, a legislação migratória, com passaporte, visto e tudo em dia,
foi sendo endurecida. Fechada a via legal, os migrantes arriscam tudo através
de caminhos alternativos, pressionando as fronteiras, pelo mar (norte da
África), pelo deserto (México e Estados Unidos) ou pelas florestas (Venezuela,
Colômbia e Brasil). Agora, busca-se todos os meios para impedir o uso massivo
desta via alternativa.
Os países aprimoram a leis, erguem novos muros, criam
barreiras e se fecham sobre si mesmos, deixando a população “descartável” do
lado de fora. “Descartável” é o termo utilizado seguidamente pelo Papa
Francisco para referir-se aos pobres e excluídos, os quais sequer conseguem a
“fortuna” de serem exploradas pelo sistema capitalista neoliberal, e assim
receber dele uma pequena migalha. Mas é também a expressão usada pelo Documento
de Aparecida. Literalmente: “Uma globalização sem solidariedade afeta
negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno
da exploração e opressão, e sim de algo novo: a exclusão social. Com ela, fica
afetada em sua própria raiz a pertença à sociedade na qual se vive, pois nesta
já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se está fora. Os
excluídos não são somente explorados, mas pessoas que sobram e são
descartáveis” (DP, n. 65).
Jornal "O São Paulo", edição 3167, 20 a 26 de
setembro de 2017.
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