Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
Chegou ao fim 2016. O balanço do que nele aconteceu, em
nossa vida pessoal e ao nosso redor, na sociedade brasileira e no mundo, mostra
pessoas, acontecimentos e vivências que foram dádivas para nós, pelas quais
muito temos a agradecer a Deus, a nossos companheiros de viagem, à vida… E
também episódios dolorosos ou obscuros, que requerem correção de rota,
retomada, misericórdia…
Gostaria de apontar para um fenômeno que parece ter-se
agudizado nesse ano que passou. Se já há muitos anos João Paulo II chamava os
tempos atuais de “noite epocal”, essa noite parece ter-se tornado ainda mais
escura, e a madrugada, ainda mais distante.
É nossa impotência ante as potências que se fazem de
impotentes na Síria e no Mediterrâneo, nosso sofrimento diante dos refugiados
tratados com insensibilidade pela esgarçada Comunidade Europeia, nossa
insegurança pelos atentados midiatizados na Europa e os ignorados no Oriente
Médio ou África. Em terras nossas, é nossa indignação ante a resiliência da arcaica
estrutura social e prática política e a persistência de indicadores sociais a
traduzir níveis inaceitáveis de violência, desigualdade, preconceito…
Há um “mal-estar civilizatório” que se exprime numa
descrença nas instituições e na verdade dos fatos, num entrincheiramento das
próprias opiniões e a adesão a discursos populistas. Enfim, há um retrocesso em
termos de democracia, pluralismo, liberdade, dignidade humana, justiça social… É
um cenário desalentador para tantos que comprometeram a própria vida, pagando
por isso até um alto preço, com uma sociedade mais humana.
Em A Ressurreição de Roma, Chiara Lubich descreve sua
percepção ao passar pela “Cidade Eterna” dominada no pós-Segunda Guerra pela “sordidez
e vaidades”. “Diria que o meu ideal [de vida] é uma utopia se não fixasse o
pensamento Nele, que também viu um mundo igual a este, que o cercava e que, no
ponto culminante de sua vida, pareceu ser arrastado por tudo aquilo, vencido
pelo mal. Ele também olhava para toda esta multidão a quem amava como a si
mesmo… mas não duvidava”. E continua: “Olho o mundo que está dentro de mim e me
apego àquilo que tem essência e valor… olho o mundo e as coisas; contudo, já
não sou mais eu que olho, é Cristo em mim que olha, e vê de modo novo cegos que
devemos iluminar, mudos que devemos fazer que falem e aleijados que devemos
fazer andar”.
Na noite escura dos tempos atuais, o Natal que há pouco celebramos
aponta para uma estrela, para a Luz que há de alimentar nossa esperança e ser
guia em nosso caminho, Jesus.
Todavia, escreve Chiara, “não é, decerto, o Jesus histórico,
ou Ele enquanto Cabeça do Corpo Místico quem resolve os problemas. Quem faz
isso é Jesus-nós, Jesus-eu, Jesus-você… É Jesus no homem, naquele determinado
homem… quem constrói uma ponte, faz uma estrada… É sendo outro Cristo… que cada
homem traz uma contribuição típica sua em todos os campos: na ciência, na arte,
na política, na comunicação e assim por diante”.
Eis aí um ótimo propósito de Ano Novo: encarando o cenário
do mundo ao nosso redor, cultivar uma intimidade com Deus que leve à ação
transformadora da sociedade. Motivada não por uma utopia, talvez moldada por
ideologias, mas pela dimensão profética que o Evangelho incute em nós de
traduzir, nas relações entre os homens, com a natureza e com os bens, o Reino
de Deus que já (e não ainda) está entre nós…
Jornal "O São Paulo", edição 3133, 11 a 17 de janeiro
de 2017.
Ótimo texto, apesar de tudo é preciso resgatar o que temos de bom em nós e no mundo. Os tão decantados pecados e a falta de uma vivência dos ensinamentos cristãos levam às condições atuais, há consequências espirituais, mas, sobretudo, de ordem prática. Fé e obras devem seguir juntas. Que obras produz uma fé verdadeira? As obras que testemunhamos?
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