Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Estudo recente mostra que as áreas da administração pública
onde ocorrem os maiores desvios de dinheiro são as áreas da educação e saúde. E
não só, o estudo mostra também que as cidades menores e mais pobres, com Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, são aquelas onde os desvios são mais escandalosos.
Há descrição de políticos e servidores públicos desviando recursos destinados a
hospitais, postos de saúde, remédios, escolas e merenda escolar, para comprar
uísques e vinhos importados, festas, etc. Quando lemos estas notícias ficamos
desanimados, achando que não há solução, ou ainda, que a solução passa apenas pela
ação do poder judiciário. Muitos procuradores, porém, tem afirmado que a mera
aplicação das leis não dará conta de vencer a corrupção sistêmica.
O conhecimento destes fatos já é um sinal importante do
amadurecimento de nossa democracia. Mas, justamente por causa disso, abre-se
uma oportunidade única para a Igreja e que não deve ser perdida: propor, como
parte da sociedade civil organizada, caminhos para a melhoria da qualidade dos
serviços de educação e saúde, que sempre fizeram parte da nossa tradição. A
constituição de 1988 afirma que educação e saúde são direitos do cidadão e,
portanto, devem ser providos pelo Estado gratuitamente. Há séculos, porém, a
Doutrina Social da Igreja vem nos ensinando que este não é o melhor modo de
gestão para garantir o respeito à dignidade e liberdade humanas e o bem comum.
Ela afirma, ao contrário, que é melhor um Estado subsidiário que participa do
financiamento de escolas e hospitais, ou seja, subsidia-os, mas deixa a gestão
direta a cargo de organizações intermediárias da sociedade civil. Este
compartilhamento de responsabilidades permite maior controle e garantia de
serviços de qualidade. As congregações ou ONGs da Igreja que gerenciam escolas
e hospitais o fazem por ideais, desejo de bem e amor ao próximo, além de serem
mais econômicas e ter mais cuidado na gestão dos recursos financeiros do que a
enorme máquina burocrática do Estado. Durante muitas décadas o Estado
brasileiro foi refratário a esta forma de gestão, não a favorecendo, salvo em
situações em que os recursos eram insuficientes ou o Estado não tinha capacidade
de gestão, ou até a dificultando. Por isso, tantos colégios e hospitais
católicos fecharam ou estão em grave situação econômica, muitos tendo que se
desdobrar na busca de doações e financiamentos que são esporádicos e
descontinuados.
Um exemplo de subsidiariedade, que ocorre em países como a
Itália, é a existência de leis que permitem que escolas de ensino fundamental
e médio confessionais se sustentem com duas fontes de renda complementares: uma
bolsa paga pelo governo para cada aluno (e que depende da renda da família) e
uma mensalidade complementar paga pelos pais. A mesma coisa se poderia fazer
com os hospitais confessionais e tratamentos médicos que poderiam ser pagos
pelo SUS com uma complementação para o tratamento paga pelo paciente de acordo
com sua renda. Talvez poucos saibam, mas esses hospitais em SP são os que mais
atendem o SUS, e estão sofrendo muito com os repasses insuficientes enquanto o
governo diz que não tem dinheiro. A sustentabilidade e qualidade dos serviços à
população poderia se beneficiar muito com esse sistema subsidiário e de
complementariedade de pagamento.
Jornal "O São Paulo", edição 3136, 1 a 7 de fevereiro
de 2017.
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