Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Marcelo Musa Cavallari é escritor,
tradutor e jornalista especializado em assuntos internacionais. Traduziu “O
Livro da Vida de Santa Teresa D’Ávila” para a Companhia das Letras e escreveu “Catolicismo”,
para a Editora Bella.
Durante seu pontificado, são João Paulo II identificava a
“cultura da morte”, expressa sobretudo no aborto e na eutanásia, como um dos
alvos prioritários de seu combate. Para seu sucessor, Bento XVI, o inimigo era
o relativismo, expresso sobretudo na privatização dos julgamentos morais, na aceitação
de modos de vida incompatíveis com os ensinamentos de Jesus no Ocidente que, um
dia, foi cristão, e na visão de que todas as religiões e modos de ver o mundo
são igualmente válidos. Eram, claramente, tempos de combate. Apesar de algumas
vitórias, a paisagem atual dos países modernos torna difícil discordar da conclusão
do escritor católico americano Rod Dreher: a guerra cultural acabou, e nós
perdemos.
Há muitos sinais claros. A eutanásia tornada lei em muitos
países, assim como o aborto, por exemplo. Ou a transformação do ato
homossexual, um mal objetivo, na formulação recentíssima do Catecismo da Igreja Católica de 1993,
não apenas em motivo de orgulho a ser celebrado nas ruas das grandes cidades do
mundo todo, mas em tema de plataformas políticas articuladas e, em grande
medida vitoriosas, como a do “casamento” gay e a teoria de gênero.
Dreher é autor de um livro recente que vem sendo muito discutido
nos EUA: The Benedict Option (A Opção
Beneditina, em tradução livre.) A ideia vem de são Bento, o jovem aristocrata
romano que, diante da decadência irresistível do império, retirou-se para uma
caverna para rezar e levar uma vida reclusa dedicada exclusivamente a Deus.
Como efeito colateral, Bento salvou a civilização. Em torno dos mosteiros que
seguiam a regra escrita por são Bento reorganizou-se a vida social e econômica
da Europa depois do colapso do Império Romano. Dos mosteiros beneditinos
partiram os monges que converteram a Inglaterra, a Irlanda, a Alemanha, a
Holanda e deram forma concreta à Cristandade. Nos mosteiros beneditinos
copiaram-se à exaustão as obras da Antiguidade cristã e pagã que chegaram até
nós.
Uma vez que o catolicismo, e o cristianismo em geral, foi
derrotado na esfera pública que antes moldava, restaria aos católicos
retirar-se e viver, como se em comunidades fechadas, a vida apostólica que
Jesus ensinou. A esperança é que, no afã de salvar suas almas, os católicos
salvem, de novo, a civilização.
Para um grupo restrito de pessoas esse movimento de retirada
do mundo pode ser vivido literalmente em pequenas comunidades de famílias, por
exemplo. Para a maior parte, no entanto, isso é impossível. A opção beneditina,
porém, longe de ser uma retirada de quem foge da batalha, pode ser vivida como a
concentração no essencial do catolicismo.
Dreher tem sido acusado de ser derrotista e de minar os
esforços de quem se mantém na luta. Não é necessário que seja assim, no
entanto. A questão é que as opções que o mundo ultra-secularizado e
crescentemente anticristão vem adotando não têm futuro. A vitória da cultura da
morte resulta apenas na morte. A opção beneditina é preservar, pois, a semente
plantada por Jesus. Semente que um dia deu origem e por mais de dois milênios
sustentou a Civilização Ocidental, que agora a recusa. Preservar essa semente em
toda sua pureza e força.
Para isso, é necessário que os católicos redescubram integralmente
o tesouro que foi confiado à Igreja. Sacramento de união com Deus, a Igreja não
é uma ONG a serviço do mundo e de seus objetivos, coisa que o papa Francisco
deixou claro em uma de suas primeiras declarações como papa. O que a Igreja tem
a oferecer ao mundo é a presença de Deus na eucaristia. E é realizando os
quatro fins da celebração da eucaristia -adoração e ação de graças a Deus;
reparação e petição pelo mundo- que os cristãos podem e têm que “combater o bom
combate”.
Jornal "O São Paulo", edição 3161, 9 a 15 de agosto
de 2017.
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