Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Passada a surpresa da eleição de Donald Trump para
presidente dos Estados Unidos, várias análises começaram a circular. Entre os
cristãos, há aqueles que comemoram a vitória do republicano, seja porque ele se
coloca com uma agenda pró-vida, seja porque Hillary, que tem relações
complicadas com a Igreja, perdeu. E há aqueles que lamentam e não entendem como
um candidato com um discurso muitas vezes preconceituoso possa ter vencido.
Para onde olhamos?
Há um consenso de que a vitória de Trump foi impulsionada
pela classe operária que sente um mal-estar crescente com a globalização, que
exportou empregos industriais para o México, em menor escala, e para a China,
em maior volume. Os empregos somem e a renda também despenca – dados mostram
queda de 14% somente nos últimos dez anos. Além disso, 80% dos apoiadores de
Trump se disseram cansados de políticas que favoreciam grupos específicos da
população, como negros e imigrantes. Ou seja, o mal-estar é também cultural e
de identidade. Em suma, o fenômeno aponta para o cansaço daqueles “de fora” do
sistema com aqueles que comandam o processo. Trump captou a insatisfação e usou
um discurso certeiro.
Fenômeno semelhante ocorre na Europa. O Brexit é
consequência disso, da mesma forma que a francesa Marine Le Pen, voz de direita
contra a imigração e a União Europeia, tem 25% das intenções de voto na corrida
presidencial, o que a levaria ao segundo turno. Partidos antiglobalização de
direita também estão ganhando força na Alemanha, na Holanda, na Hungria e na
Áustria.
Em comum com Trump, todos canalizam a seu favor as angústias
dos cidadãos que se sentem marginalizados pela globalização e vitimados pela
imigração, culpando minorias e forças externas pelos problemas sociais e pelo
desemprego, e incentivando o sentimento nacionalista.
Estamos diante de um discurso que divide a sociedade, que
joga uns contra outros, que tem propostas mais reativas que propositivas. Esse
é o principal problema. Reportagens dos jornais mostram que desde a eleição de
Trump foram contabilizados 310 ataques de quem se diz ser seu seguidor contra
negros, homossexuais e imigrantes.
Frente a esse cenário, o Papa Francisco defende a “cultura
do encontro”, com uma participação social efetiva e plural e disposta ao
diálogo sincero em todos os níveis: desde a cooperação entre os países até às
associações, obras de caridade, cooperativas etc. que já promovem, em suas
comunidades, a dignidade da pessoa e o bem comum através do acolhimento e
integração das pessoas à sociedade. Ou
seja, por meio de ações baseadas não nas ideologias – quaisquer que sejam -,
mas no amor às pessoas concretas que estão diante de si.
Como S. João Paulo II escreveu, retomando Paulo VI, devemos
construir a “Civilização do Amor, o
fim para o qual devem tender todos os esforços tanto no campo social e
cultural, como no campo económico e político” (“Dives in misericordia”). Tomar ações concretas para uma sociedade mais
justa, fraterna e inclusiva. Afinal, diz S. João Paulo II, “a solidariedade é a
responsabilidade de todos com todos os homens” (Centesimus annus).
Em qualquer situação, a Igreja reafirma a esperança. O
sistema político pode estar ruindo pela corrupção ou por discursos e propostas
vistas como irresponsáveis, e isso machuca a todos. Mas não eliminam a
experiência de inúmeras pessoas e obras cristãs que, com sua criatividade e
liberdade, respondem aos desejos de bem comum, de felicidade e de justiça.
Jornal "O São Paulo", edição 3129, 23 a 29 de novembro
de 2016.
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