Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, biólogo e sociólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, foi professor de Ecologia na PUC-Campinas, dedicando-se à pesquisa sobre as interações entre sociedade e ecossistemas.
Laudato si’, a encíclica
ecológica do Papa Francisco, chegou precedida de grande expectativa. Talvez a
melhor imagem do que o mundo espera da encíclica seja um vídeo humorístico em
que o Papa é apresentado como um herói na luta em defesa do clima. O vídeo saiu
do ar por pressão de grupos católicos norte-americanos, mas ilustra tanto a
imagem alegre e simpática quanto a carga de esperança despertada pelo papa
atual.
A encíclica vem para fortalecer a Conferência
das Nações Unidas sobre o Clima, que acontecerá em Paris em dezembro. Depois do
Protocolo de Kyoto, de 1997, pacto mundial anterior para a redução dos gases
responsáveis pelo efeito estufa, por falhas do acordo e pela falta de vontade
política dos maiores poluidores (EUA e China), a concentração destes gases
aumentou, assim como a percepção dos desastres naturais associados a eventos
climáticos (como furacões, secas prolongadas, invernos muito frios e
enchentes).
Diante desta situação, o Papa Francisco
coloca toda a sua autoridade moral – ele que é o líder mundial mais respeitado
e admirado da atualidade – a serviço da defesa do meio ambiente e da
sustentabilidade da vida humana e de todos os seres vivos no planeta.
Ele deixa claro que não deseja entrar
em polêmicas científicas sobre o peso das causas naturais e das atividades
humanas nas variações climáticas – mas pede que os países tomem medidas
concretas para não aumentar os riscos do aquecimento global e outros problemas
ambientais.
Todos são vítimas da crise ecológica,
mas são sempre os mais pobres, os excluídos, quem mais sofre. Por isso, ao
enfrentar os problemas ambientais, temos que ter uma preocupação particular com
as questões sociais correlacionadas. A responsabilidade ambiental é de todos,
ricos e pobres. Mas aqueles que mais usufruíram dos recursos naturais têm um
dever maior na conservação do meio ambiente, devendo fazer maiores sacrifícios
e colaborar com os demais.
Laudato si’ é a primeira
encíclica ecológica da história, mas o tema ambiental já há muito preocupa a
Igreja. A nova encíclica segue uma linha traçada por Paulo VI, João Paulo II e
Bento XVI, que enfatiza a responsabilidade da humanidade diante da criação.
Uma famosa citação da Bíblia diz que
Deus criou o homem para que ele dominasse a terra (Gn 1, 26). Mas, numa correta
interpretação, esta frase não quer dizer que o homem pode fazer o que bem
entender com a natureza, mas sim que ele deve cultivá-la e guardá-la (Gn 2, 15)
segundo o desígnio de Deus – que deseja a harmonia entre todas as coisas. A
encíclica de Francisco deverá se orientar nesta perspectiva de reforçar a
responsabilidade do ser humano como guardião que cultiva com amor a criação e
não como dominador que a explora e desfruta para depois a descartar ou
abandonar.
A ética ambiental de Francisco, como
não poderia deixar de ser, ainda que precisa e vigorosa na denúncia dos erros
dos poderosos, é marcada pela misericórdia e pela mística do encontro com
Cristo. Sua encíclica não é uma simples reafirmação da necessidade de conservar
o ambiente por um imperativo moral nascido da crise ecológica. É também um
convite para uma “conversão ecológica”, uma postura de amor ao próximo e à
natureza, uma ética do cuidado profundamente mística e religiosa, que “religa”
o homem ao cosmo e a sua própria natureza.
Jornal "O São Paulo", edição 3057, de 24 a 30 de junho de 2015.
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