Na Evangelii Gaudium, apresentando quatro princípios da doutrina
social da Igreja, o Papa Francisco adverte: “o tempo é superior ao espaço” (EG
222-225). O princípio se refere, na
Exortação, à necessidade de se pensar o tempo necessário para a maturação dos
processos sociais em lugar de se fixar na luta por espaços de poder.
Numa sociedade em crise política,
como a nossa atual, compreender que no tempo acontecem os processos de
definirão um novo Brasil, ainda que os poderosos se degladiem por espaços de
poder, é animador e até consolador. Não podemos pensar adequadamente o momento
atual, os desafios da política e as reformas necessárias sem o folego desse
horizonte mais amplo.
Mas o tema recupera toda a sua
riqueza quando o aplicamos ao desafio representado pela Cracolândia, o espaço
ocupado pelos moradores de rua viciados em drogas na cidade de São Paulo.
As operações policiais realizadas
na região nos últimos anos nos mostraram duas coisas. Em primeiro lugar, que a
Cracolândia não é um território urbano dentro da cidade, é um espaço
intangível, que inclui uma área urbana degradada, uma população sem rumos na
vida, uma atividade criminosa que se aproveitou de um contexto favorável e um
Estado omisso que deixou um problema social crescer até chegar perto do
incontrolável. Em segundo lugar, que esse espaço não poderá ser controlado pelo
simples uso da força, pelo exercício do poder. Só o tempo poderá mudar o espaço
e eliminar a Cracolândia criada pela pobreza, a falta de perspectiva e a crise
de sentido que afeta aquela população – e é bom salientar a crise de sentido e
a falta de perspectiva, pois esses não são problemas exclusivos da classe média
e dos ricos, pois atingem ainda com mais força e mais razão as populações
empobrecidas e excluídas em nossa sociedade.
O tempo remete a outra palavra
cara a Francisco, que aparece tanto na Evangelii
gaudium quanto na Laudato si’: cuidar. A Cracolância é o
resultado de uma sociedade que não soube cuidar dos seus quando isso era
possível e agora enfrenta as consequências de seu descaso. Por isso, só o
cuidado – ao longo do tempo – poderá resolver o problema desse espaço social.
A intervenção dos órgãos públicos
na Cracolândia nem sempre será adequada, independentemente da boa ou da má
vontade dos gestores. Mas nunca será satisfatória se for pensada como espaço de
poder e não como processo de cuidar que acontece no tempo.
Gerar processos que construam um
povo (EG 224): esse é o caminho para superar realidades aparentemente tão
diferentes quanto a Cracolândia ou a crise econômica brasileira.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal "O São Paulo",
edição 3155, 14 a 20 de junho de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário