Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Nenhum outro mês é como dezembro. A iminência das festas de
final de ano, a chegada das férias escolares, as comemorações “da firma”, os
balanços anuais e os planos para um novo ano... Num frenesi de emoções
contrastantes, corremos tanto para preparar nossos momentos felizes que nos
arriscamos a esquecer de porque estes momentos deveriam ser felizes. Nos
afanamos tanto em preparar nossas festas que não saboreamos sua razão de ser.
Esse é o mês de pinheiros alienígenas e vitrines com
enfeites e neves de algodão, de Papais Noel se derretendo sob um calor
abrasador – símbolos extravagantes, mas carregados de uma ternura infantil, de
nosso anseio pelo totalmente Outro, desse anseio que o mundo aprendeu a
comercializar, mas não entende nem consegue realmente satisfazer.
A Igreja, em sua sabedoria milenar, dedicou esse mês à
interiorização do Advento, para a redescoberta das razões pelas quais fazemos
as coisas, preparação para encontrar Deus como um singelo e desprotegido bebê.
Esse deveria ser o tempo do retorno ao lar, quando os distantes voltam para
suas famílias, os solitários redescobrem o amor, os pobres e os que sofrem são
acolhidos com justiça e ternura, os filhos reencontram o Pai.
Mas um habilidoso demônio preencheu dezembro com atividades
estafantes e tediosas. Usando amores falsos, vendidos e até cínicos, conspurcou
a memória do Amor e dos amores verdadeiros. Desvirtuou as festas, que deixam de
celebrar a alegria e se tornam uma duvidosa catarse do vazio e da falta de
sentido.
A questão não é só de uma festa mal comemorada. As festas
celebram a vida. Uma festa mal comemorada representa uma vida mal vivida.
Assim, uma cruel desumanidade, como sombra sútil, nos acompanha nesse tempo de
maravilhas, transformando a Beleza em fantasia inconsequente.
Nós, cristãos, nos acostumamos a criticar a mercantilização
do Natal em nossa sociedade. É justo, mas com esse foco não percebemos que tudo
que fazemos revela um pouco de nossos anseios mais profundos. O desejo de um
amor sem limites; da paz que apaziguará não só as nações beligerantes, mas
também os corações amargurados; da ternura que não só sanará nossas feridas,
mas também trará a justiça para os excluídos e os pobres da terra – tudo isso
está presente, ainda que desfigurado, nesse mês de dezembro.
O resgate desse tempo passa menos pela censura de seus
desvios que pela percepção de toda a profundidade e riqueza humana que se
esconde em seus símbolos, mesmo que oscilem da mais sublime espiritualidade ao
mais reles mercantilismo.
Papai Noel não é só a degradação consumista do espírito
natalino. Ele é a confirmação de que nossa cultura, por mais mercantilista e
interesseira que seja, não consegue apagar em nosso coração o desejo de uma
gratuidade e de uma bondade sem limites. A mentalidade do mundo diz que todos
queremos ser sobrinhos (e herdeiros) do Tio Patinhas. Mas, no fundo, sabemos
que só seremos felizes sendo filhos de um Papai Noel que sempre nos dê a
alegria e a liberdade dos que vivem para amar.
A força do cristianismo não está em condenar o mundo, mas em
mostrar sua verdade. Cristo não é aquele que condenou Mateus, Zaqueu, a
samaritana, Madalena ou mesmo Pedro, mas sim aquele que lhes mostrou a
existência de um Amor ansioso por responder ao drama humano.
O Advento e o Natal são o tempo de descobrir e testemunhar a
verdade que se esconde por traz de nosso desejo de alegria, de paz e de festa.
O mal não está em acreditar em Papai Noel, mas em pensar nele como a fantasia
de uma noite de ilusão, e não como símbolo de uma realidade que nos acompanha
todos os dias do ano.
Jornal "O São Paulo", edição 3131, 8 a 13 de
dezembro de 2016.
Perfeito. Chega dos falsos natais e das falsas felicidades... Queremos de volta o verdadeiro espirito natalino.
ResponderExcluirSim, até porque o Papai Noel existiu mesmo, um bom bispo velhinho que dava presente para as crianças, o que muitos compram por fantasia, é a vida verdadeira de muitos cristãos.
ResponderExcluirVerdade, existe a grande necessicidade de recuperar o espírito do natal , lutar contra as fantasias e lendas presentes na inconsciência de cada pessoa, o bem preciso e evento central do natal não encontra no coração das pessoas o seu lugar por direito!! Dolorido isso.
ResponderExcluir