Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Neste dia 25 de dezembro, a Folha de São Paulo publicou uma entrevista que dei ao jornalista Reinaldo José Lopes (ver aqui). O trabalho que ele fez, transcrevendo nossa conversa, foi muito bom, mas uma entrevista em jornal sempre é sintética e pressupõe uma série de informações que nem sempre são conhecidas do leitor. Assim, recebi vários comentários e perguntas, que me levaram a escrever algumas observações complementares sobre o texto. Como o texto ficou muito longo, resolvi publicá-lo diretamente nesse blog.
Neste dia 25 de dezembro, a Folha de São Paulo publicou uma entrevista que dei ao jornalista Reinaldo José Lopes (ver aqui). O trabalho que ele fez, transcrevendo nossa conversa, foi muito bom, mas uma entrevista em jornal sempre é sintética e pressupõe uma série de informações que nem sempre são conhecidas do leitor. Assim, recebi vários comentários e perguntas, que me levaram a escrever algumas observações complementares sobre o texto. Como o texto ficou muito longo, resolvi publicá-lo diretamente nesse blog.
1)
Em primeiro lugar, os “sinais
trocados” que o jornalista colocou no título não significam que um é bom e
outro é mal, como alguns parecem ter pensado. Apenas indicam que, por seus
contextos de origem (Polônia e Argentina) e pelos desafios eclesiais que
precisam enfrentar, são dois grandes papas que vivem realidades opostas.
2)
A concepção mais justa das
polêmicas entre progressistas e conservadores na Igreja Católica é aquela que
diz “todo cristão tem o dever de ser conservador com relação àqueles valores
que tronam a vida mais humana e progressista com relação àquelas transformações
que fazem a sociedade mais justa”. Contudo, o mundo acostumou-se com essa
classificação que divide a Igreja (em grande parte por culpa de nós mesmos, os
católicos). Tentar negar ou ocultar essa divisão não ajuda a ninguém. O
problema é todos n´´os entendermos que ela não pode ser um obstáculo à comunhão
ou à conversão. Por isso insisti em dizer que o problema são os
“recalcitrantes”, isso é, aqueles que insistem teimosamente em não aceitar que
o Espírito pode se manifestar também entre aqueles que pensam diversamente.
Pessoas assim dificultaram uma correta compreensão e uma justa conversão
eclesial à mensagem de São João Paulo II e agora um outro grupo, com
posicionamentos opostos, mas com a mesma teimosia, farão o mesmo em relação ao
Papa Francisco.
3)
Na concepção do parágrafo
anterior, deve-se entender a afirmação que o Papa Francisco é um “conservador
que acolhe os progressistas”. Seus valores são os da tradição (nesse sentido é
um conservador), mas está sintonizado com as mudanças da sociedade naquilo que
têm de justo (acolhe, nesse sentido, as tendências progressistas). Essa posição
de Francisco fica explicita, por exemplo, num artigo publicado no site do
Instituto Humanistas da Unisinos (ver aqui) ou
numa análise do que seria o seu pontificado tendo por pano de fundo a ação de
Bergoglio na Argentina (ver
aqui). Pensar que um papa “pensa como eu” ou “pensa errado porque não pensa
como eu”, sem parar para entender sua mensagem é sempre ruim. Francisco precisa
ser estudado e as sutilezas e variações de seu pensamento devem ser entendidas
tanto por uma questão de honestidade intelectual quanto de conversão espiritual
(e o mesmo vale para São João Paulo II ou Bento XVI).
4)
Quem estudar os pensadores que
embasaram a posição de Bergoglio e os pensadores da Teologia da Libertação do
final do século XX verá que existem diferenças significativas. Por isso, alguns
chamavam aquela corrente teológica característica do Cone Sul de “Teologia do
Povo”. As duas correntes têm muito em comum, mas não são equivalentes. Provavelmente
irão se aproximar cada vez mais com o aumento da influência de Francisco, com a
crise do pensamento marxista (, que teve sem dúvida influência na TL ) e o
próprio desenvolvimento das escolas teológicas do continente. AS duas correntes
concordam na questão da importância do pobre, como paradigma da postura do
cristão e como alvo prioritário da ação social da Igreja, mas a Teologia do
Povo vê esse pobre numa perspectiva mais cultural que socioeconômica. O artigo
melhor para entender a Teologia do Povo é o do jesuíta Juan Carlos Scannone,
professor de Bergoglio (ver
aqui em italiano). Um exemplo da importância da cultura no pensamento do
Papa Francisco está no capítulo III da Laudato
si’: após denunciar o uso do poder econômico e da ciência contra a
humanidade e a natureza, o Papa faz uma análise tipicamente cultural sobre o
problema do poder, baseado em Romano Guardini (discuti
essa questão num artigo para a REB disponível aqui).
5)
Alguns estranharam também a
valorização de São João Paulo II, que segundo eles não pode ser colocado em
paralelo com o Papa Francisco. O problema não é de preferências, mas de
reconhecimento da importância de cada um no processo histórico. Sem dúvida não
é possível pensar a Igreja sem a “reforma” feita por São João Paulo II,
provavelmente o mesmo acontecerá com o Papa Francisco. Mas aqui duas
observações são fundamentais. Em primeiro lugar, o resgate do pensamento de
João Paulo II é feito pelo próprio Papa Francisco. Os capítulos IV (O amor no
matrimônio) e V (O amor que se torna fecundo) da Amoris laetitia se utilizam largamente das catequeses de João Paulo
II, retomando e valorizando as bases de sua teoria moral. E aqui entra o
segundo problema: o ensinamento moral de Sâo João Paulo II é quase desconhecido
entre nós. No Brasil, citamos suas conclusões e ou suas indicações normativas,
sem estudar seu amplo e complexo embasamento antropológico. Perde-se assim a
chance de saber que a grande contribuição de João Paulo II à teologia moral foi
seu esforço para mostrar a pertinência dos ensinamentos da Igreja em relação à
experiência humana (uma postura que não tinha, portanto, nada de dogmática ou
impositiva). Quem quiser saber mais, leia seu livro Teologia do corpo
(Campinas: Ecclesiae, 2014).
Lido está, Professor Francisco Borba Ribeiro Neto. Relerei mais tantas vezes quantas forem necessárias antes de fazer qualquer comentário.
ResponderExcluirSaudações,
Cláudio Amaral
Jornalista e Biógrafo. Autor de "Um lenço, um folheto e a roupa do corpo - A estória do Jornalista Católico Apostólico Romano praticante que ficou 40 dias e 40 noites perambulando pelas ruas de São Paulo, em busca de solução para um caso de relacionamento humano, complicado de se entender".
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