Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Angela Vidal Gandra Martins é doutora
em Filosofia do Direito (UFRGS) / Sócia Advocacia Gandra Martins
Recentemente publiquei um artigo na Folha de São Paulo
(2/11/17) a propósito das exposições do Santander, MASP e MAM, denominado “Sexualidade
Humana em Leilão”, percebendo através do retorno, como não se pode subestimar a
natureza humana em seus anseios de amor, beleza e verdade.
Quando me solicitaram um artigo para este jornal, para
tratar do tema, pensei que aqui poderia apontar ainda mais alto, “explicando a
parábola” para aqueles que têm ouvidos para ouvir e efetivamente o desejam.
Passamos à reflexão.
Uma sociedade que começa a apresentar uma exaltação do corpo,
que, paradoxalmente o despreza, sinaliza que estamos perdendo de vista o seu
verdadeiro papel no jogo do amor. Nesse sentido, podemos comparar este desafio de
forma análoga, como uma sucessão de etapas que vão evoluindo progressivamente e
que devem ser respeitadas para que se ganhe a partida decisiva.
De fato, devido à estruturação antropológica do ser humano, o
primeiro movimento rumo ao amor toca a sensibilidade, através de uma atração
física, que faz a diferença. Não é, porém quimicamente pura, no sentido de ser
puramente sexual - ainda que a hiperestimulação pode neutralizá-la, tornando-a
indiferente - mas uma reação que aponta para alguém que se distingue dos demais
e pode ser único para nós.
Porém, parar nesse estágio não seria propriamente humano. É
preciso intelectualizar o que é mais do que instinto, personalizando a atração
para atingir a pessoa, já que um conhecimento sensorial precipitado obstaculiza
o acesso ao coração. O diálogo humano é o caminho. Sexualização e mutismo é
próprio de animais.
A partir do conhecimento, a escolha, para que o romance
progrida. Porém, como esta não é definitiva, as manifestações de amor devem ser
proporcionais: de carinho, não de posse.
Os limites permitem aprender a amar a pessoa como tal, e não seu corpo,
por auto interesse. Amadurecida a decisão, de forma livre e responsável, já é
possível comprometer-se. Por essa razão, apossar-se de um corpo antes disso é
dissociá-lo da pessoa. Se falta maturidade para assumir as consequências de um
ato em sua globalidade, não há maturidade para o ato. Nesse sentido, se há
incapacidade para conviver com defeitos, dividir contas, educar filhos, etc., também
não há preparação suficiente para as relações, e estas se reduzirão a uma
mentira existencial mútua, acabando por separar os que supostamente se amavam.
Assumir um corpo é poder assumir uma pessoa em toda sua
riqueza e ser-lhe fiel. Efetivamente, em humano, entregar um corpo é entregar
uma alma. O amor entre homem e mulher não é extensivo, mas exclusivo e cresce
verticalmente, não horizontalmente, no sentido de dilatar a capacidade humana
de amar incondicionalmente, perpetuando-se nos filhos.
Um mundo hipersexualizado, que antecipa desordenadamente as
etapas, desestrutura o jogo e as vitórias que se poderiam celebrar individual e
socialmente, frustrando profundamente as expectativas de amar e ser amado de
forma única, e o encontro do verdadeiro parceiro, ofuscado nas múltiplas
experiências superficiais.
A banalização do corpo é somente um sinal do desrespeito às
regras do jogo, enraizada em uma crise de amor, que, por razões principalmente
econômicas, vai proclamando como natural o infra-humano, com o perigo de nos
acostumarmos com isso. Porém, a grande questão é o custo moral e afetivo que
acarreta. Como afirma o antropológo Ricardo Yepes: “É uma crise que as próximas
gerações terão que resolver, e o farão melhor que nós porque terão sofrido
pessolmente as consequências. Porém, o ideal seria que desde já, lhes
poupássemos essa terrível experiência”.
Nesse sentido, sou mais otimista, acreditando que é possível
desde já fomentar uma nova cultura e virar o jogo!
Jornal "O São Paulo", edição 3178, 6 a 12 de
dezembro de 2017.
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