Um dos quatro postulados que o Papa
Francisco aplica à doutrina social da Igreja na Evangelii Gaudium é “a unidade prevalece sobre o conflito” (EG 226-230). Num momento conflitivo e polarizado
como o atual, poucas afirmações podem ser mais desafiadoras do que essa.
Não se trata de uma ingenuidade que
fecha os olhos para a realidade: “O conflito não pode ser ignorado ou
dissimulado; deve ser aceito. Mas, se ficamos encurralados nele, perdemos a
perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada.
Quando paramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda
da realidade” (EG 226).
Para superar as atuais dificuldades do País,
temos que agir juntos, sermos capazes de superar os interesses privados e
buscar o bem comum, dialogar para encontrar caminhos novos. Mas parece que
estamos mais preocupados em destruir os argumentos e anular o trabalho dos que
pensam diferente, do que em crescer com eles e criar espaços onde todos possam contribuir
e ter sua dignidade reconhecida.
Se imperam ideologias e
fundamentalismos, reina o sectarismo. Se nos abrimos para a realidade e para
uma racionalidade integral, que não se limita ao instrumental, mas enfrenta
também os desafios da ética e do sentido das coisas, reina o diálogo e se
trilha o caminho para a unidade e a solidariedade.
Quando nos fechamos em nossas ideologias,
queremos impor nossos argumentos e forçar a realidade a entrar em nossos
esquemas. Quando queremos verdadeiramente conhecer a realidade e superar seus
desafios, somos obrigados a reconhecer a existência e a contribuição dos
demais.
Hoje a defesa intransigente de
interesses particulares e o apego obstinado às próprias posições afastam os
brasileiros desse caminho de unidade capaz de construir o bem comum.
Mas o que pode fazer alguém ir além dos
próprios interesses ou reconhecer a verdade (ainda que parcial) das ideias do
outro? É Bento XVI que responde indiretamente, em seu discurso inaugural da
Conferência de Aparecida: “Onde Deus está ausente, o Deus do rosto humano de
Jesus Cristo, estes valores [que
constroem a unidade] não se mostram com toda a sua força, nem se produz um
consenso sobre eles. Não quero dizer que os não-crentes não podem viver uma
moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está
ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força
para viver segundo a pauta destes valores, também contra os próprios
interesses” (13 de maio de 2007).
Ajudar, com seu testemunho, a construir
essa unidade é uma tarefa primordial dos cristãos na atual conjuntura
brasileira.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal "O São Paulo", edição 3157, 28 de junho a 4 de julho de 2017.
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