segunda-feira, 14 de março de 2016

Três anos de Francisco, a 50 anos do Concílio

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do 
Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Domingo, 13 de março, é o terceiro aniversário da eleição do Papa Francisco. Nesta data, não é necessário comentar sua força renovadora, o peso político de seu compromisso com os pobres e o meio ambiente, ou sua preferência por uma Igreja que, nas palavras de São João XXIII, “usa mais o remédio da misericórdia que o da severidade” (cf. Misericordiae Vultus). Muito se tem escrito também sobre a relação entre Francisco e o espírito do Concílio Vaticano II, o grande evento renovador da Igreja contemporânea.
Qual é o significado dos quase 50 anos que separam o final do Concílio (1965) da eleição de Francisco (2013)? Hoje, para nós, é até difícil imaginar o clima político e cultural do pós-Concílio e seu impacto sobre a comunidade cristã da época. Ditaduras de direita na América Latina, ditaduras comunistas na Europa Oriental, o furor revolucionário terceiro-mundista e a utopia hippie – tudo prestes a se desconstruir no pragmatismo político-econômico do mundo globalizado, a se dissolver na fluidez ideológica da pós-modernidade.
O Concílio aconteceu sob o signo da secularização. Parecia evidente que as religiões eram coisa do passado, resquícios de uma humanidade ignorante e supersticiosa. Na própria comunidade católica muitos pensavam que o “aggiornamento”, a atualização, passava necessariamente pela adoção dos valores da Modernidade e das regras do universo político laico (que bania as religiões para um espaço privado e intimista); pela eficiência assistencialista ou política da Igreja (transformando-a na ONG sem Cristo criticada por Francisco no início de seu pontificado).
Nestes 50 anos, nem sempre o esforço da Igreja para afirmar o vínculo inevitável entre o ser humano e seu Criador foi adequadamente reconhecido. Leituras ideológicas, a esquerda e a direita, desfiguraram tanto a mensagem dos papas quanto o testemunho de muitos santos comprometidos com os mais pobres e com a vida. A consolidação da Igreja no pós-Concílio exigiu um grande esforço para se reconhecer sua origem mística em Deus, se aceitar uma lógica que não era a da Modernidade.
Mas, ao longo do tempo, o otimismo quanto aos potenciais da ciência, do humanismo agnóstico, da revolução utópica ou do mercado deram lugar a profundas decepções, ao pragmatismo sem ética e à perda dos ideais daqueles luminosos anos ’60.
Agora, assistimos muitos casos de renovação das religiões e da busca mística das pessoas. Alguns poderão criticar, por exemplo, o exotismo de certa espiritualidade ao estilo new age ou a intransigência de grupos tidos como fundamentalistas. Mas, 50 anos depois do Concílio, a pessoa sincera pode reconhecer ainda com mais facilidade a exigência de Deus inscrita no coração humano.
Aos cristãos parece muitas vezes que o mundo é cada vez mais hostil à fé. Mas isso não é verdade. O poder, cada vez mais despersonalizado e despótico no mundo atual, realmente tenta afastar-nos cada vez mais de Deus. Mas, quanto mais o poder tenta afastar Deus do coração da pessoa, mais esta sente a Sua falta.
Contudo, para que esta falta possa ser suprida, é preciso explicitar a força da misericórdia, de um coração que se percebe pecador, mas amado por Deus mesmo assim. Esta é a raiz oculta do encanto que o Papa Francisco exerce sobre o mundo.
Quem lê seus testemunhos pessoais em O nome de Deus é misericórdia (Planeta, 2016), compreende como este diálogo entre o coração contrito do pecador e o coração misericordioso de Deus pode criar, com Francisco, a demonstração eloquente de que a Igreja porta a resposta verdadeira também para o homem de hoje.
Jornal "O São Paulo", edição 3092, 10 a 15 de março de 2016.


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