Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Domingo, 13 de março, é o terceiro aniversário da eleição do Papa Francisco. Nesta data, não é necessário comentar sua força renovadora, o peso político de seu compromisso com os pobres e o meio ambiente, ou sua preferência por uma Igreja que, nas palavras de São João XXIII, “usa mais o remédio da misericórdia que o da severidade” (cf. Misericordiae Vultus). Muito se tem escrito também sobre a relação entre Francisco e o espírito do Concílio Vaticano II, o grande evento renovador da Igreja contemporânea.
Qual é o significado dos quase 50 anos que separam o final
do Concílio (1965) da eleição de Francisco (2013)? Hoje, para nós, é até
difícil imaginar o clima político e cultural do pós-Concílio e seu impacto
sobre a comunidade cristã da época. Ditaduras de direita na América Latina,
ditaduras comunistas na Europa Oriental, o furor revolucionário terceiro-mundista
e a utopia hippie – tudo prestes a se desconstruir no pragmatismo
político-econômico do mundo globalizado, a se dissolver na fluidez ideológica
da pós-modernidade.
O Concílio aconteceu sob o signo da secularização. Parecia
evidente que as religiões eram coisa do passado, resquícios de uma humanidade ignorante
e supersticiosa. Na própria comunidade católica muitos pensavam que o
“aggiornamento”, a atualização, passava necessariamente pela adoção dos valores
da Modernidade e das regras do universo político laico (que bania as religiões
para um espaço privado e intimista); pela eficiência assistencialista ou
política da Igreja (transformando-a na ONG sem Cristo criticada por Francisco
no início de seu pontificado).
Nestes 50 anos, nem sempre o esforço da Igreja para afirmar o
vínculo inevitável entre o ser humano e seu Criador foi adequadamente
reconhecido. Leituras ideológicas, a esquerda e a direita, desfiguraram tanto a
mensagem dos papas quanto o testemunho de muitos santos comprometidos com os
mais pobres e com a vida. A consolidação da Igreja no pós-Concílio exigiu um
grande esforço para se reconhecer sua origem mística em Deus, se aceitar uma
lógica que não era a da Modernidade.
Mas, ao longo do tempo, o otimismo quanto aos potenciais da
ciência, do humanismo agnóstico, da revolução utópica ou do mercado deram lugar
a profundas decepções, ao pragmatismo sem ética e à perda dos ideais daqueles
luminosos anos ’60.
Agora, assistimos muitos casos de renovação das religiões e
da busca mística das pessoas. Alguns poderão criticar, por exemplo, o exotismo
de certa espiritualidade ao estilo new age ou a intransigência de grupos tidos
como fundamentalistas. Mas, 50 anos depois do Concílio, a pessoa sincera pode
reconhecer ainda com mais facilidade a exigência de Deus inscrita no coração
humano.
Aos cristãos parece muitas vezes que o mundo é cada vez mais
hostil à fé. Mas isso não é verdade. O poder, cada vez mais despersonalizado e
despótico no mundo atual, realmente tenta afastar-nos cada vez mais de Deus.
Mas, quanto mais o poder tenta afastar Deus do coração da pessoa, mais esta
sente a Sua falta.
Contudo, para que esta falta possa ser suprida, é preciso
explicitar a força da misericórdia, de um coração que se percebe pecador, mas amado
por Deus mesmo assim. Esta é a raiz oculta do encanto que o Papa Francisco
exerce sobre o mundo.
Quem lê seus testemunhos pessoais em O nome de Deus é misericórdia (Planeta, 2016), compreende como este
diálogo entre o coração contrito do pecador e o coração misericordioso de Deus pode
criar, com Francisco, a demonstração eloquente de que a Igreja porta a resposta
verdadeira também para o homem de hoje.
Jornal "O São Paulo", edição 3092, 10 a 15 de março de 2016.
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