segunda-feira, 21 de março de 2016

Saneamento básico para todos. O sonho de ter um banheiro.

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Gilmar Altamirano é publicitário, especialista em meio ambiente e sociedade e diretor presidente da ONG Uniagua (Universidade da Água).

Desde 1963, as Campanhas da Fraternidade têm sido importante instrumento de evangelização e cidadania. A Campanha da Fraternidade de 1979 foi a primeira a abordar a questão ambiental e a água, principal agente da vida e do saneamento básico, com o tema: “Preserve o que é de todos”. Posteriormente, em 2004, a água é abordada mais diretamente numa das campanhas que mais mobilizaram as comunidades com o tema “Água. Fonte de Vida”. Este ano a campanha toca num dos principais problemas brasileiros: a falta de saneamento básico, com o tema "Casa comum nossa responsabilidade".
Com um tempo curto de articulação e veiculação da campanha, 40 dias da quaresma, o grande desafio é conseguir o pleno entendimento da mensagem, gerar consciência e, principalmente, provocar a ação. Infelizmente, boa parte das pessoas se move na vida com o “piloto automático” e apenas uma pequena parte se engaja realmente nas causas sociais e está propensa a mudar o comportamento e agir efetivamente. A maioria não quer ou não sabe o que fazer para mudar a situação. E como cita a própria CNBB “um problema específico que exige a participação de todos na sua solução", a mobilização não pode ser pontual, mas coletiva.
Uma mobilização coletiva pressupõe: identificação das barreiras para mudança, ouvindo a comunidade-alvo e qual a percepção desta comunidade sobre o problema e as possibilidades de mudar a situação.
Se fizermos uma pesquisa nos surpreenderemos com quantas pessoas sabem de alguma coisa sobre o problema da falta de saneamento ambiental, mas não sabem o que fazer a respeito. A questão estruturante: Investimento em obras de saneamento não acompanharam o crescimento da população. A questão não estruturante: gestores públicos não ensinam a importância e como usar a obra de forma sustentável.
Mesmo onde há rede de esgoto, muitos não ligam suas moradias às essas redes. Às vezes, por não darem o devido valor por desconhecerem, em parte, que esgotos a céu aberto são as principais causas de epidemias.
Como diz o rap “Castelo de Madeira” (composto pelo grupo “A família”, em 2004):

Coisa de louco, abrir a janela e ver no esgoto
Cachorro morto, sentir o mau cheiro e o desconforto
E junto com a lama, o drama, a sujeira
"Brasilite" no calor é um inferno, mó canseira [...]

Sonhei com tudo isso a vida inteira
Realizei meu sonho, meu castelo de madeira.
E é treta todo dia, todo dia, o dia inteiro
Só falta construir um banheiro.


O “Castelo de Madeira” é o barraco na comunidade e a música trata bem a falta de saneamento e dignidade humana que prevalece principalmente na periferia das cidades brasileiras.
Entretanto, uma coisa é termos consciência que “fumar pode provocar câncer”, outra coisa é “agirmos para parar de fumar”. É necessário identificar as barreiras para a ação, a partir daí desenvolver a campanha para ajudar a população a enfrentar o problema com orientações do que pode ser feito. Não cabem soluções impostas por decisões de gabinete. A Igreja já ensina: é fundamental ouvir as pessoas.
Antigamente, nas pequenas comunidades, por meio dos diálogos nos confessionários, os párocos podiam ter uma ideia mais clara de quais eram os conflitos mais frequentes enfrentados pelos fiéis e assim podiam dirigir melhor a mensagem do sermão.
Por isso, não basta a consciência, temos que encontrar o que dizer e o que fazer para mudar.
Jornal "O São Paulo", edição 3093, 17 a 22 de março de 2016.

Um comentário:

  1. Artigo intrigante! Como concluir a Campanha da Fraternidade sabendo que continuamos com +50% do esgoto no Brasil não sendo tratado? 40 dias é pouco para mudra esse desastre socio/ambiental. Obrigado pela reflexão, Gilmar!

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