Editorial do jornal O São Paulo, ed. 3094, de 23 a 29 de março de 2016.
Segundo a tradição de algumas religiões antigas, quando alguém estava em perigo grave da própria vida, podia recorrer à proteção “divina”, escondendo-se em um templo. Assim a pessoa se colocava sob a proteção da divindade e não podia ser tirada do templo. Nesse caso, nem a justiça e nem a vingança podiam ser executadas enquanto durasse o asilo divino.
Segundo a tradição de algumas religiões antigas, quando alguém estava em perigo grave da própria vida, podia recorrer à proteção “divina”, escondendo-se em um templo. Assim a pessoa se colocava sob a proteção da divindade e não podia ser tirada do templo. Nesse caso, nem a justiça e nem a vingança podiam ser executadas enquanto durasse o asilo divino.
Esse recurso era uma alternativa para quem não estivesse em
condições de provar a sua inocência, ou de outra forma, para quem estivesse
próximo de sofrer um castigo que excedesse a violência do próprio ato. Nos dois
casos, o que estava em jogo era o princípio da justiça e não a conivência da
divindade.
Os avanços sociais e o desenvolvimento dos mecanismos punitivos
e legais, criados pela sociedade, provocaram uma mudança no jeito de fazer
justiça. Foram criadas formas processuais e tribunais especializados em
diferentes níveis - locais, regionais, nacionais e até mesmo internacionais. O
uso de novas tecnologias e o conhecimento científico avançado deram novo
impulso aos mecanismos legais. Hoje é possível obter provas residuais de um
crime com uma precisão cada vez maior, por meio de impressões digitais, de
exames de DNA, de escutas telefônicas, restos de documentos impressos ou
digitais. Na prática, quase tudo pode ser submetido a uma perícia, para se
tornar prova num processo.
Numa situação em que o Estado é laico, como é o caso do
nosso País, é perfeitamente claro que os processos pelos quais se chega a fazer
justiça devem ser imparciais e precisos. Refugiar-se no “Templo” não é mais uma
opção. O interesse da justiça deve prevalecer em todos os âmbitos. Mas entre as
engrenagens desses processos legais, foi criada uma saída, ou melhor, uma
entrada para um tipo de “Templo moderno”, onde também se garante proteção. Esse
recurso conhecido é chamado de “foro privilegiado”.
Segundo essa prática, quem está exercendo um determinado
cargo recebe o benefício de não ser julgado como todos os demais. Nesse caso,
se resguarda o ofício, mas se instala uma exceção no princípio da igualdade,
garantido pela nossa Constituição federal, que afirma que todos são iguais e
sem distinção de qualquer natureza, perante a lei.
Esses “Templos modernos” são muitos e são servidos por
“sacerdotes” e “sacerdotisas”, que ganham o benefício da proteção para si ou o
invocam para os seus afiliados. Para que toda a sociedade tomasse consciência
da extensão e da conveniência desse benefício, foi necessário acontecer uma
grande agitação popular.
Mas por tudo isso, parece que chegamos ao tempo de uma
verdadeira mudança, de uma metanoia no pensamento e nas atitudes. Não
precisamos de novos heróis, que venham para substituir os antigos, perpetuando
os esquemas de sempre. A crise política atual é fruto de uma situação semelhante
e é também uma ocasião que se abre em duas possibilidades.
De um lado, podemos nos debater acirradamente, defendendo
dois movimentos opostos e carregando bandeiras de corres diferentes. Cada lado
enxergando a justiça, o direito e o golpe sob o seu ponto de vista e tentando
todos os meios para influenciar e formar a opinião das massas. Nessa luta, os
vencedores serão os mesmos, e também os vencidos. Os dois lados dizem que estão
lutando para manter os direitos sociais, e até fazem propostas de ampliação, mas
em nenhum momento se viu a proposta uma reforma que leve à perda dos privilégios.
As lideranças continuam resguardadas. Na prática, o resultado final será a
manutenção do sistema, com a troca de lugares entre governo e oposição.
Por outro lado, temos a possibilidade de iniciar um processo
de mudanças, na ética pública e do comportamento social. As instituições e os
poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - existem para promover e
garantir o desenvolvimento e o bem-estar do povo. As pessoas que trabalham
nessas repartições são servidores públicos e devem prestar contas de seus atos
a toda sociedade, sem privilégios ou obstáculos para a execução da justiça. Quanto
mais transparentes as relações de governo e quanto mais éticos os servidores,
mais fortes serão as instituições, e por isso é tão urgente uma reforma ética
na vida pública.
Mas essa reforma não pode avançar se antes, também, não
avançar uma reforma na conduta social e pessoal de toda a população. Não
podemos continuar buscando obter vantagens e lucros pessoais nas pequenas
coisas à nossa volta. Quem fura uma fila de banco ou no trânsito, quem passa e
quem recebe notas fiscais frias, quem compra ou revende mercadorias de origem
duvidosa ou falsificada, e quem sempre acha um jeito de tirar vantagens de uma
situação qualquer, é tão corrupto como aqueles que superfaturaram contratos ou
que cobraram propina.
O que vemos hoje pelos jornas e noticiários, com tristeza, é
uma nação dividida pelas manifestações. Em nome da justiça e da igualdade, cada
lado repete um gesto patriótico, cantando o hino nacional, cada qual defendendo
sua ideologia ou seu partido. Não será apenas um desfile de atores e atrizes principais,
rodeados por coadjuvantes? O único gesto, verdadeiramente patriótico, que
poderá mudar o destino do país é dizer NÃO a todo tipo de corrupção.
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