Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
Segundo o jornal O
Globo, em sua edição de 27/09/2017, as reações contrárias à exposição
Queermuseu, nas redes sociais, foram cerca de 17 vezes mais frequentes que as
favoráveis. A notícia fala por si e dispensa comentários sobre quanto o
respeito à família e aos símbolos religiosos é importante para os brasileiros.
Um comunicado dado pelo banco patrocinador a seus
clientes, ainda segundo O Globo, dá
uma justa explicação para o caso "quando a arte não é capaz de gerar
inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a
condição humana". A reação não é (ou não deveria ser) a uma arte que expressa
e ajuda à reflexão sobre a condição homossexual, mas à ofensa legitimada como
recurso para se chegar a essa expressão e essa reflexão.
Tal respeito aos símbolos religiosos transcende uma
autodefesa de cristãos ofendidos. Em outro episódio recente, também era inaceitável
a tese de que “a liberdade de expressão” permitiria aos chargistas da
publicação francesa Charlie Hebdo
ridicularizar a figura de Maomé e os símbolos religiosos caros ao islamismo (o
que, evidentemente, não significa concordar com a chacina perpetrada em sua redação
por extremistas muçulmanos).
Os que, naquele momento, defendiam essa suposta
“liberdade de expressão” não percebiam que acompanhavam a mentalidade
xenofóbica em alta na Europa, que eles próprios muitas vezes combatiam: de um
modo ou de outro, afirmavam a superioridade de certo modo de pensar que não
precisaria respeitar a sensibilidade dos demais.
Até que ponto uma obra de arte se vale de símbolos
religiosos com o intuito de ofender? Num contexto polarizado, ser agressivo
garante seguidores. Extremistas encontram públicos ansiosos por autoafirmação numa
sociedade onde a comunicação é fácil e as pessoas lutam contra repressão, a massificação
e a homogeneização. Assim, algumas obras acabam sendo feitas com um real
intuito de ofender quem pensa diferente.
Outras vezes, contudo, o uso do símbolo religioso é,
na verdade, a expressão de um desejo de afirmar que o bem, a beleza e a verdade
expressas pelo símbolo também valem para o autor, apesar deste ser ou pensar
diferente daqueles religiosos. Exemplo clássico é a “Crucificação branca”, de
1938. Nesse quadro, Marc Chagall – pintor de origem judaica – representou
Cristo crucificado com o talit, xale usado pelos judeus na hora da prece. Com
isso, queria mostrar que Jesus era um judeu martirizado por pregar o amor e
assim conclamar cristãos e judeus a se unirem num momento de forte perseguição antissemita.
Como podemos distinguir essas duas situações e ter uma
atitude adequada para cada caso? A análise da obra pode nos dar algumas
indicações, mas sempre será falha, pois não sabemos o que se passa na mente do
autor. O melhor é procurar estender a mão ao diferente, procurar o diálogo. Se
a intenção do outro for boa, a mão estendida encontrará outra mão estendida e o
abraço fraterno, apesar das diferenças e do choque inicial. Mas, se a intenção
for ofensiva, a mão estendida encontrará um punho cerrado.
Não se constrói uma sociedade melhor com punhos
fechados. Se deixados impunes ou incentivados, mais cedo ou mais tarde irão
recriar violências e injustiças semelhantes às que quiseram combater. O punho cerrado
deve ser adequadamente contido – para isso existem a lei e o direito. Não se
pode responder a ele com outro punho fechado, sob o risco de aumentar o mal.
Jornal "O São Paulo", edição 3169, 4 a 10 de outubro de 2017.
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